Como o caso Tubaína e outros exemplos revelam os riscos da popularização excessiva de marcas
Entenda como marcas como Tubaína, Insulfilm e Diet Shake enfrentaram o risco de perder proteção jurídica por se tornarem sinônimo de produto. Um alerta para marcas “top of mind”, marcas que conquistam o topo da mente do consumidor.
O paradoxo da marca bem-sucedida
Segundo Al Ries e Jack Trout, autores de “Posicionamento: a batalha por sua mente”, o maior trunfo de uma marca é ocupar um lugar exclusivo na mente do consumidor. Mas quando esse lugar se torna tão dominante que o nome da marca vira sinônimo do produto, abre-se a porta para a chamada degenerescência marcária.
É o caso da Tubaína, que deixou de ser uma marca específica e passou a representar todo um tipo de refrigerante popular, doce, regional, vendido normalmente em garrafas genéricas e com forte apelo nostálgico. Uma vitória no branding, mas uma derrota no campo jurídico.
Tubaína: da exclusividade à linguagem popular
Criada pela Ferráspari nos anos 1930, a Tubaína começou como bala e virou refrigerante. Mas ao permitir o uso do nome por terceiros, e sem coibir o uso genérico, a marca perdeu força distintiva.
Em decisão paradigmática de 2013, o TJ-SP afirmou:
“O uso costumeiro da denominação ‘Tubaína’ permitiu a efetiva disseminação da ideia de que a marca tornou-se gênero de bebida.” (TJ-SP, Apelação 0003333-08.2011.8.26.0120)
Casos similares: Insulfilm, Diet Shake e Tênis
🔳 Insulfilm
Embora o nome tenha virado sinônimo de película para vidro, a marca Insulfilm foi protegida judicialmente. O TJ-SP reconheceu a diluição, mas manteve a exclusividade:
“A degenerescência não lhe retira a proteção, embora possa produzir outros efeitos.” (TJ-SP – Apelação 0016032-62.2008.8.26.0176)
🥤 Diet Shake
Já o TRF-2 entendeu que o termo Diet Shake é evocativo e composto de termos comuns, não cabendo proteção exclusiva. Resultado: o nome foi liberado para uso concorrencial. (TRF-2 – AC: 274433 RJ 2001.02.01.041555-5)
🎾 Tênis (São Paulo Alpargatas)
Na década de 1920, a São Paulo Alpargatas registrou a marca Tênis para calçados de lona com sola de borracha. O termo tornou-se tão popular que perdeu sua força distintiva e passou a designar genericamente todo tipo de calçado esportivo. O INPI deixou de reconhecer exclusividade sobre o nome.
Lição: Nem toda liderança de mercado é sinônimo de proteção duradoura.
Branding e direito: a lição de Al Ries e Jack Trout
Em “As 22 Consagradas Leis do Marketing”, Ries e Trout ensinam:
- “É melhor ser o primeiro na mente do que o primeiro no mercado” (Lei da Mente).
- “Duas empresas não podem possuir a mesma palavra na mente das pessoas” (Lei da Exclusividade).
No caso da Tubaína, houve a vitória na memória popular, mas com o tempo a empresa deixou de controlar o discurso em torno da marca. Isso viola um dos princípios centrais do branding: a proteção e educação do mercado quanto ao uso do nome.
Longevidade e identidade: a visão de “Feitas para Durar“
Segundo Jim Collins e Jerry Porras, empresas feitas para durar têm um propósito central imutável. Marcas regionais como Ferráspari, Itubaína, Convenção e Don Refrigerantes têm história, mas nem sempre transformaram sua força cultural em ativos protegidos e perenes.
É preciso combinar
- Cultura local + estrutura jurídica;
- Tradição afetiva + estratégia de posicionamento durável;
- Narrativa + registro e fiscalização da marca.
Como evitar a degenerescência da marca?
- Use o símbolo ® e mantenha o registro no INPI atualizado;
- Eduque o mercado: não use sua marca como substantivo ou categoria;
- Monitore a imprensa e a publicidade de terceiros;
- Seja ativo juridicamente: notifique e processe usos indevidos;
- Considere submarcas: proteja a principal da genericização ou desgaste.
Degenerescência no Brasil: contexto jurídico
A Lei da Propriedade Industrial (Lei 9.279/96) não menciona expressamente a degenerescência como causa de extinção de direito. Contudo, a jurisprudência tem reconhecido que a perda da distintividade pode impedir o exercício exclusivo da marca, especialmente em litígios com concorrentes.
Há uma tensão entre
- O direito do titular, que detém um registro válido;
- O interesse público, de evitar o monopólio de termos comuns no comércio.
Tendências futuras: do local ao legal
- O Judiciário brasileiro começa a tratar o tema com mais sofisticação, reconhecendo o impacto sociolinguístico no direito marcário;
- Marcas regionais precisam blindar sua relevância cultural com estratégia legal e comunicacional;
- O INPI pode aprimorar políticas para combater registros já desgastados ou popularizados.
Marcas que duram mais que seus produtos
A frase “No fim, a marca é tudo aquilo que continua mesmo depois que o produto acaba” ganha sentido quando observamos casos em que o produto original desapareceu, foi reformulado ou perdeu relevância — mas a marca seguiu viva, valiosa e protegida.
📼 Kodak
A marca resistiu à queda dos filmes fotográficos, reinventando-se como licenciadora em câmeras digitais, impressoras e até smartphones. A marca virou um ativo independente do produto.
🕹️ Atari
Após a falência da fabricante de consoles, a marca Atari® foi adquirida por novos grupos e relançada para atuar em jogos digitais, metaverso e blockchain. Um ícone que sobrevive por seu valor simbólico.
🍭 Balas Kids
Mesmo com o sumiço das linhas de produção industrial, a marca ainda é lembrada no imaginário coletivo, e pode ser reativada para novas gerações.
👟 All Star (Converse)
O modelo Chuck Taylor quase desapareceu com a crise da Converse, mas a aquisição pela Nike revalorizou a marca como item cultural e de moda.
Conclusão: ser inesquecível não pode significar ser genérico
Marcas como Tubaína, Tênis, Insulfilm e Diet Shake nos mostram que uma marca pode nascer como nome, crescer como cultura e — se bem protegida — sobreviver até mesmo ao desaparecimento do produto que a originou.
No branding, vencer a batalha da memória é essencial. No direito, é preciso manter a titularidade, vigência e exclusividade.
No fim, a marca é tudo aquilo que continua mesmo depois que o produto acaba — se houver estratégia, proteção e visão de longo prazo.