Disputa administrativa no INPI entre a cantora Anitta e a Farmoquímica revela os perigos ocultos no uso de nomes civis como marcas — mesmo quando há vantagens aparentes.
O que está em jogo
A cantora Anitta, por meio da Rodamoinho Produtora, tenta impedir que a farmacêutica Farmoquímica S.A. e a empresa Divcom S.A. registrem, em co-titularidade, a marca “ANITTA” para cosméticos. A proposta enfrenta oposição porque a artista já possui marca registrada com este nome para produtos de beleza e entretenimento.
O ponto sensível: a Farmoquímica já comercializa o vermífugo “ANNITA” há quase duas décadas. Ou seja, trata-se não apenas de um embate entre setores distintos — saúde e cosméticos —, mas também de uma disputa de reputações e distintividade: de um lado, um medicamento consolidado; de outro, a imagem pública e comercial de uma artista global.
A co-titularidade como fator novo
O pedido conjunto feito por Farmoquímica e Divcom chama a atenção por ser um dos primeiros casos relevantes de co-titularidade de marca após a atualização normativa no INPI. Embora prevista na legislação, essa figura ainda é pouco explorada, o que amplia sua relevância jurídica.
A co-titularidade, por ser matéria recente, levanta questões relevantes: quem responde solidariamente por infrações? Como comprovar uso efetivo conjunto? Como se dará a eventual cessão ou divisão de direitos? São temas que exigirão estudo e cautela conforme novos casos forem surgindo.
As vantagens estratégicas — e os perigos jurídicos
Registrar um nome civil como marca pode parecer vantajoso. A prática gera identificação imediata, capitaliza sobre a fama e reduz esforços de comunicação. Contudo, os riscos superam os benefícios em muitas situações:
- Homonímia e conflito familiar: O perigo é que membros da mesma família venham a utilizar variações do nome no mesmo ramo ou em ramos similares, gerando disputa por clientela e confusão de mercado.
- Limitações legais: o art. 124, XV da LPI veda o registro de nome civil sem consentimento do titular, herdeiros ou sucessores, sobretudo quando há risco de associação indevida.
- Risco reputacional: atrelar uma marca à imagem de uma figura pública amplia a exposição a crises externas. Como alerta Francesc Petit, em Marca e Meus Personagens, a associação entre produto e nome pessoal pode ser fatal diante de escândalos, rejeição pública ou mesmo o simples envelhecimento da imagem.
Destaque: Nome artístico também pode ser marca registrada
O nome artístico — como “Anitta”, “Xuxa” ou “Pelé” — pode e deve ser protegido como marca, desde que tenha finalidade comercial. Essa proteção garante exclusividade, evita apropriações indevidas e permite exploração econômica ordenada da identidade pública.
O registro segue os requisitos da Lei nº 9.279/96, incluindo consentimento do titular, ausência de conflito com marcas anteriores e comprovação de uso em alguns casos. Transformar o nome artístico em marca registrada é um passo essencial para blindar a reputação e o patrimônio imaterial da figura pública.

Branding e segmentação: o alerta de Al Ries
Sob a ótica da gestão de marcas, o caso reforça um alerta clássico. Como ensina Al Ries, em As 22 Consagradas Leis do Marketing, “a extensão de marca é uma tentação quase sempre desastrosa”. Expandir uma marca consolidada para outro setor — como faz a Farmoquímica ao sair do campo da saúde para o de cosméticos — pode diluir sua força original e gerar conflito com marcas similares, como a de “Anitta”.
Recomendações e lições práticas
Para advogados, gestores de branding e especialistas em PI, o caso sugere:
- Evitar nomes civis como marcas principais, salvo quando estrategicamente necessário e com avaliação jurídica detalhada;
- Incluir elementos distintivos complementares (logotipos, slogans, cores) ao nome, especialmente se houver risco de homonímia;
- Formalizar com clareza os acordos de co-titularidade, prevendo obrigações, responsabilidades e cessões futuras;
- Adotar estratégias de portfólio de marcas, que protejam o nome institucional de desgastes diretos, como exemplificado pela Nestlé, com submarcas como Tostines e Maggi.
Contexto e tendência
O INPI ainda não decidiu sobre o pedido de registro da marca “ANITTA” para cosméticos. Mas o caso já se consolida como um estudo de risco — tanto para o branding estratégico quanto para o direito marcário.
A tendência é que novas disputas envolvendo nomes civis, nomes artísticos e marcas derivadas se intensifiquem à medida que nomes públicos se consolidam como ativos econômicos. Empresas, criadores e profissionais de PI devem acompanhar essas movimentações de perto — não apenas para proteger seus próprios ativos, mas para evitar que a exposição de um nome se torne o início de uma disputa de alta complexidade.