A Justiça de São Paulo determinou a penhora dos direitos autorais do cantor e apresentador Netinho de Paula, com bloqueio mensal dos valores arrecadados pela Associação Brasileira de Música e Artes (Abramus) até a quitação de uma dívida de R$ 114.869,58, decorrente de condenação por danos morais.
O caso, em trâmite desde 2002 na 23ª Vara Cível de São Paulo, exemplifica a aplicação prática do reconhecimento dos direitos autorais como bens móveis, conforme disciplina a Lei nº 9.610/1998 (Lei de Direitos Autorais).
Assim, eles — e os frutos que geram, como os royalties — podem ser objeto de penhora.
O caso: execução de indenização por dano moral
O processo n° 0165269-20.2002.8.26.0100 teve origem em um episódio exibido no programa Domingo da Gente (2001), quando a autora, Maria das Graças Cunha, foi exposta em situação constrangedora ao ser questionada ao vivo sobre a doação de um rim à irmã.
Após o trânsito em julgado, a fase de cumprimento de sentença se arrastou por quase duas décadas, até que, em setembro de 2025, a Justiça autorizou a penhora dos direitos autorais musicais do artista.
“Objetivando o depósito judicial mensal neste juízo do produto da penhora relativo à destinação dos direitos autorais […] até a satisfação da obrigação no importe de R$ 114.869,58 (valor atualizado para julho de 2025), sob pena de desobediência e configuração de ato atentatório à dignidade da Justiça.”
É um dano a um bem intangível sendo ressarcido por frutos de um patrimônio igualmente intangível — em outras palavras, um dano ao espírito pago com um bem do espírito. Quase poético. Será que daria música?
Fundamentos jurídicos: bens móveis e direito de crédito
De acordo com o art. 3º da Lei 9.610/1998, os direitos autorais “reputam-se bens móveis”.
Essa ficção legal permite sua inclusão no rol de bens sujeitos à penhora, nos termos do art. 835, VI, do CPC, que prevê a constrição sobre “bens móveis em geral”.
Por envolverem receitas patrimoniais — frutos civis do direito de propriedade, como aluguéis ou juros —, os royalties integram o conjunto de bens disponíveis do devedor.
Assim, se o bem é móvel e o crédito é civil, a penhora é possível
Se STJ já relativizou a regra da impenhorabilidade das verbas salariais, permitindo a medida sempre que não comprometer a dignidade do devedor, não seriam os royalties que iriam escapar.
“Admite-se a relativização da regra da impenhorabilidade das verbas de natureza salarial, independentemente da natureza da dívida a ser paga e do valor recebido pelo devedor, condicionada, apenas, a que a medida constritiva não comprometa a subsistência digna do devedor e de sua família” (EREsp 1.874.222/DF, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 19.04.23).
As diversas formas de enxergar a questão
O consultor financeiro aplaudiria: neste caso, o direito autoral mostra-se mais que uma reserva de valor — é ativo econômico vivo.
Os operadores do direito percebem a amplitude das ferramentas disponíveis para garantir a efetividade das decisões, embora o tempo do processo denuncie suas limitações.
Os autores, talvez, se sintam motivados a criar ainda mais.
E nós, ouvintes, quem sabe, sejamos brindados com novas canções.
É vida que segue.