Justiça reconhece danos morais acima de R$ 1 milhão, chegando a R$ 150 milhões. Seja o autor famoso ou não, ele deve ser indenizado.
Decisões reforçam proteção à autoria e à integridade da obra, mesmo diante de contratos de cessão
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem consolidando o entendimento de que os direitos morais do autor — como o crédito pela autoria, o uso de pseudônimo e a preservação da integridade da criação — são inalienáveis, irrenunciáveis e imprescritíveis, mesmo que exista contrato de cessão patrimonial.
Dois casos recentes e emblemáticos ilustram o tema: o do professor Ebenezer Lobão Cruz, cuja obra didática foi publicada sob pseudônimos fictícios não autorizados, e o de João Gilberto, cujos fonogramas foram remasterizados sem consentimento. Em ambos, a Justiça impôs indenizações milionárias, chegando a R$ 150 milhões.
Caso 1 — Pseudônimo não autorizado em livro didático gera condenação de R$ 1 milhão
Em 7 de outubro de 2025, a 3ª Turma do STJ, no REsp 2.219.796/PE, relatado pelo ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, manteve a condenação de uma editora que publicou obra didática em nome de autores fictícios, sem o consentimento do verdadeiro criador.
O professor Ebenezer Lobão Cruz havia assinado contrato de cessão patrimonial, mas deixou claro que o fazia apenas por interesse acadêmico, visando incluir o livro em seu currículo Lattes. A editora, no entanto, suprimiu seu nome e atribuiu a autoria a pseudônimos inexistentes.
O erro custou caro: indenização de cerca de R$ 1 milhão, somando danos morais e materiais (3 mil exemplares vendidos a R$ 88 cada).
STJ, REsp 2.219.796/PE, j. 07/10/2025 .
Caso 2 — João Gilberto vs. EMI: remasterização sem autorização gera valor histórico de R$ 150 milhões
Após décadas de litígio, os herdeiros de João Gilberto obtiveram vitória no TJ do Rio de Janeiro, que homologou indenização de R$ 150 milhões contra a EMI Records Brasil.
O processo, julgado pela 14ª Câmara Cível, sob relatoria do desembargador Adolpho Correa de Andrade Mello Júnior, reconheceu que a gravadora remasterizou e relançou gravações originais do músico (1964 – 2014) sem autorização expressa, violando o direito moral de integridade da obra.
Embora ainda caiba recurso, trata-se de uma das maiores indenizações já reconhecidas no Brasil em matéria de direitos autorais. A perícia considerou mais de 2,8 milhões de discos vendidos sem autorização.
“A remasterização não autorizada de fonogramas é forma de adulteração que fere a integridade da criação artística, ainda que haja contrato de cessão de uso.”
TJ/RJ, 14ª Câmara Cível, Proc. 0005412-09.2020.8.19.0000.
O que são Direitos Morais do Autor?
A Lei 9.610/1998 (LDA) garante ao autor prerrogativas que vão além da propriedade econômica da obra. São elas:
- Paternidade – direito de reivindicar a autoria a qualquer tempo;
- Identificação autoral – escolha de ter o nome civil, pseudônimo ou sinal convencional indicado;
- Integridade da obra – oposição a cortes, modificações ou adulterações;
- Inalienabilidade e irrenunciabilidade – não podem ser vendidos ou suprimidos (art. 27 da LDA);
- Imprescritibilidade – subsistem mesmo após a morte do autor e podem ser exercidos pelos herdeiros.
Esses direitos independem de registro ou contrato, e não se extinguem com o tempo. São a alma jurídica da criação.
Redação e Gestão de Contratos
Os precedentes reforçam um alerta essencial: um contrato mal redigido pode se tornar prova de condenação.
Cláusulas que tentem eliminar o nome do autor, impor pseudônimos ou permitir modificações sem consentimento são nulas de pleno direito, como toda disposição quer for contra a lei vigente.
Mesmo após a cessão dos direitos patrimoniais, quaisquer alterações técnicas ou artísticas na obra dependem de anuência expressa do autor, uma vez que os direitos morais são inalienáveis e irrenunciáveis. O vínculo entre o autor e sua criação é perpétuo e transmite-se aos herdeiros, como ilustrado no caso de João Gilberto. Na ausência de herdeiros, caberá ao Ministério Público zelar pela integridade da obra e pela honra do autor, especialmente quando houver ofensa ao interesse público.
Assim, boa redação contratual e gestão especializada previnem prejuízos astronômicos.
Afinal prevenir é melhor do que remediar — isso, quando ainda há remédio.