Fraudes Acadêmicas no Brasil: O Mercado Paralelo de Patentes, Artigos e Trabalhos Prontos

Esquemas de compra de autorias e registros enganosos de propriedade intelectual expõem risco crescente à ciência brasileira.

Introdução

O avanço da produtividade acadêmica no Brasil trouxe, como efeito colateral, o surgimento de um mercado paralelo dedicado à venda de artigos, autorias e até registros de propriedade intelectual. Esse cenário coloca em xeque a integridade da ciência nacional e revela práticas que violam princípios fundamentais do sistema de propriedade industrial — especialmente o princípio do contributo mínimo (ou contributo inventivo), que exige real inovação para a concessão de patentes. Nesta análise, abordamos como essas fraudes são arquitetadas, os riscos para o sistema jurídico e científico, e as ameaças representadas pelo mau uso da inteligência artificial nesses processos.

Desenhos industriais e a fraude do “registro fácil”: ameaça ao princípio do contributo mínimo

Um alerta recente veio de um esquema internacional descoberto em 2024, envolvendo universidades da Índia e o UK Intellectual Property Office. Pesquisadores estavam comprando registros de desenhos industriais absurdos — como sapatos com portas USB — e os apresentando como “patentes” para avançar na carreira acadêmica.

No Brasil, a situação é ainda mais delicada: desenhos industriais possuem registro declaratório, ou seja, o INPI apenas confere a formalidade do pedido, sem análise profunda de mérito inovador. Isso facilita fraudes e cria a falsa percepção de inovação onde há apenas aparência ou trivialidade, ferindo diretamente o princípio do contributo mínimo estabelecido pela Lei da Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96).

No contexto brasileiro, uma alternativa viável seria condicionar o reconhecimento acadêmico dos registros de desenho industrial apenas após a realização do Exame de Mérito pelo INPI, que avalia critérios de novidade e originalidade, conforme previsto no artigo 110 da Lei nº 9.279/96. Essa medida também é recomendada para quem busca adquirir esses direitos com vistas à exploração industrial, promovendo maior segurança jurídica e valorização da real inovação.

Venda de autoria em artigos científicos: atacando a integridade da pesquisa

Outro episódio marcante surgiu em 2025, quando a Folha de S.Paulo revelou um esquema de venda de coautorias para candidatos a residências médicas. Empresas ofertavam vagas em artigos já prontos por cerca de R$ 500, facilitando o ingresso em programas de universidades renomadas como USP e Unicamp.

Essa prática representa uma grave afronta à ética acadêmica e ao princípio do contributo individual na produção intelectual. A resposta do Ministério Público de São Paulo e das universidades foi rápida, com abertura de investigações e reforço de mecanismos de fiscalização. Ainda assim, ficou exposta a existência de uma verdadeira “fábrica de papers” no país.

Mercado de trabalhos acadêmicos prontos: plágio sob medida

O comércio de TCCs, monografias e dissertações por encomenda — ofertados em plataformas como OLX e StudyBay — é outro grave vetor de fraude. Apesar de alegarem a venda de “modelos”, muitos desses textos são utilizados integralmente por estudantes, configurando plágio e falsidade ideológica (arts. 184 e 299 do Código Penal).

As instituições de ensino começaram a reagir com sanções mais rígidas e sistemas antifraude. No entanto, a ausência de mecanismos tecnológicos eficazes ainda dificulta a identificação dessas práticas em larga escala.

O mau uso da inteligência artificial nas fraudes acadêmicas

O avanço da inteligência artificial trouxe ferramentas poderosas para a produção de conteúdo, mas também ampliou os riscos de fraudes. Atualmente, IA generativa é utilizada tanto para redigir artigos e trabalhos “customizados” quanto para gerar desenhos industriais “inéditos” sem qualquer mérito inventivo.
Esse uso distorcido da tecnologia agrava o problema: facilita a multiplicação de conteúdos supostamente originais, dificulta a identificação de plágio e esvazia ainda mais o conceito de contributo mínimo exigido pela lei.

Universidades, INPI e órgãos de fomento enfrentam o desafio urgente de definir limites para o uso da inteligência artificial e desenvolver ferramentas tecnológicas capazes de monitorar e garantir o cumprimento dessas regras. A adoção massiva da IA é inevitável, assim como ocorreu no passado com a régua de cálculo e, posteriormente, com a calculadora científica. Portanto, mais do que tentar impedir o avanço tecnológico, cabe estabelecer normas claras e disciplinar seu uso de forma responsável, ética e produtiva.

Conclusão e tendências

O Brasil vive um momento crítico: a busca por produtividade não pode ser dissociada da integridade acadêmica e mercantil. Esquemas de fraudes, do registro decorativo à compra de autorias, enfraquecem o sistema de avaliação científica, colocam em risco mercados importantes e ameaçam a credibilidade das instituições.

É urgente aprimorar os mecanismos de análise do INPI, fortalecer o combate à fraude em universidades e atualizar marcos legais para acompanhar o avanço da IA. O respeito ao princípio do contributo mínimo é essencial para garantir que a propriedade intelectual cumpra sua função de premiar a verdadeira inovação e o esforço criativo.

Fontes consultadas

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