Pokémon, Hot Wheels, Marvel e NFTs são a mesma coisa. Não viu? Olhe outra vez.

Da bolha das tulipas ao hype dos colecionáveis digitais, tudo segue o mesmo ciclo: escassez fabricada, especulação e perda de valor. A história muda de forma — mas continua a mesma.


Da Tulipa ao Token: o valor que murcha quando passa o hype

Em 1637, a Holanda viveu a primeira bolha especulativa registrada da História: a Tulipomania. Bulbos de tulipa chegaram a valer mais do que casas em Amsterdã. Quando os preços desabaram, o que restou foram bolsos vazios, bulbos nas mãos de quem não sabia cultivá-los e uma lição que atravessou séculos.

Quase quatrocentos anos depois, a lógica da tulipa ressurgiu em novas formas: NFTs, sneakers, cards de Pokémon, HQs da Marvel e carrinhos Hot Wheels. O hype substituiu o valor real, criando bolhas, cambismo e crises de confiança.

O produto muda, mas o ciclo é o mesmo: escassez fabricada, valores inflados, falsificações em massa e, no final, a frustração dos fãs — e marcas que nem sempre sobrevivem à perda de credibilidade.


NFTs, Marvel, Pokémon e Hot Wheels: anatomia de uma bolha moderna

NFTs — do êxtase à ressaca

Em 2022, o mercado global de NFTs movimentou cerca de US$ 25 bilhões, segundo a DappRadar. Dois anos depois, o volume caiu para entre US$ 8,8 e 13,7 bilhões, uma retração de até 76%. Casos de wash trading — manipulação artificial de preços — corroeram a confiança nesse tipo de ativo.

Com o fim do hype, a plataforma OpenSea perdeu quase 70% dos usuários ativos (de 1,47 milhão em 2022 para 483 mil em 2023). O entusiasmo deu lugar a um mercado de nicho, onde apenas colecionadores legítimos permanecem.

Quem especulou e demorou para sair, perdeu.


Marvel — o retorno da capa dourada

Nos anos 1990, a Marvel Comics produziu tantas “edições raras” que o próprio mercado entrou em colapso. Capas variantes, holográficas e edições #1 se empilharam nas prateleiras como promessas de fortuna. Em 1996, a editora pediu falência — e quase foi comprada pela DC. Pelo menos isso facilitaria o encontro do Batman com o Deadpool. Veja sobre isso em Batman e Deadpool x Pokémon: Marvel e DC alteram capa de HQ para evitar conflito de marcas – Rubens Baptista

Hoje, a lição parece esquecida: os retailer incentives voltaram, e cada HQ pode ter dez capas alternativas. Somando-se a isso o incentivo ao colecionismo artificial, edições de luxo e poucas opções de entrada, o cenário é arriscado: num mundo em que Webtoons crescem, repetir os erros do passado pode custar caro — para editoras, leitores e especuladores.


Pokémon — do colecionismo à falsificação

O Pokémon TCG, avaliado em cerca de US$ 13 bilhões, enfrenta quadrilhas especializadas em falsificação de cartas e revenda a preços abusivos.

A coisa chegou a um ponto em que uma pequena maleta pode carregar milhões de dólares em cards — um mercado paralelo tão volátil quanto tentador.

Entre 2024 e 2025, operações internacionais apreenderam milhares de cartas adulteradas, enquanto brigas em lojas físicas se tornaram manchete em vários países.

Em resposta, a Pokémon Company implementou limites por CPF, vending machines sem embalagem visível e programas de autenticação para conter o avanço dos scalpers — operadores que lucram com variações de curtíssimo prazo — e reconstruir a confiança dos jogadores.


Hot Wheels — o colecionismo que virou corrida

Nos Hot Wheels, a febre segue o mesmo padrão especulativo. Colaborações limitadas, como Hot Wheels × MSCHF, se esgotam em segundos — e carrinhos vendidos por US$ 30 reaparecem online por mais de US$ 60.

Denúncias de uma “Máfia dos Hot Wheels” revelam lojistas que separam edições especiais das caixas e cobram preços muito acima do razoável — irritando até os próprios especuladores, que veem seus possíveis lucros evaporarem.

Fãs frustrados também denunciam o uso de bots automatizados e a proliferação de falsificações com plástico de baixa qualidade e sem os selos oficiais da Mattel.

O que antes era um hobby inocente virou uma corrida digital, onde o mais rápido (ou o mais automatizado) leva tudo. Parece uma corrida de Hot Wheels #SQN.


Labubu e o colapso do desejo

Na China, a febre dos brinquedos Labubu, da Pop Mart, atingiu níveis absurdos: bancos ofereciam bonecos como brinde para depósitos acima de 50 mil yuans. O governo proibiu a prática em junho de 2025, por considerar o incentivo financeiro irregular.

No mesmo ano, a alfândega britânica apreendeu 2.000 unidades falsificadas de “Lafufu”, clones perigosos com peças soltas e químicos tóxicos. Nos Estados Unidos, a CBP interceptou 11 mil falsos Labubu, avaliados em US$ 513 mil, e mais de 86 mil figuras Pokémon falsificadas desde 2020.

Quando o colecionismo se converte em moeda de status, o resultado é previsível: uma multidão de infelizes. O consumidor fiel, que criou e sustentou o valor da marca, sente-se enganado e excluído — e sua vingança não tarda, seja abandonando a marca ou expondo suas falhas online.


Bolhas e Propriedade Intelectual: o que pode ser feito?

  1. Valor de uso, não de ilusão.
    O preço deve refletir utilidade e experiência, não escassez fabricada.
    Um card deve ser jogável, não apenas um investimento especulativo.
  2. Combata o scalping.
    Limites reais por CPF, filas digitais com cooldowns e lotes regionais reduzem o poder dos cambistas.
    A Nike SNKRS é referência nesse modelo.
  3. Autenticação inteligente.
    QR codes dinâmicos, chips NFC e microtextos visíveis dificultam falsificações.
    O selo PSA já é padrão entre colecionadores Pokémon.
  4. Mercado secundário oficial.
    Plataformas verificadas — como a StockX — garantem autenticidade e preços justos.
    Programas de recompra podem manter o ciclo saudável.
  5. Enforcement proativo.
    Monitorar marketplaces, atuar com alfândegas e ações judiciais coordenadas.
    Só em 2024, a CBP apreendeu 27 mil remessas falsificadas, incluindo milhares de brinquedos e figuras licenciadas.
  6. Equilíbrio entre exclusividade e acesso.
    Raridade deve ser mérito, não barreira.
    O colecionador quer pertencimento, não exclusão.

As Tulipas, os NFTs e os Hot Wheels, afinal de contas, são a mesma coisa?

Todos começaram com beleza e desejo autêntico, mas acabaram contaminados por ganância e escassez fabricada. A bolha muda de forma, deforma, mas nunca perde sua essência.

No fim, a lição continua a mesma de 1637:

A beleza da tulipa morre quando o valor ganha preço.


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