Caso de Éricka Lobo, do DF, vai além das redes sociais e levanta questões sobre os limites da proteção marcária no Brasil.
O que aconteceu?
A empresária brasiliense Éricka Lobo, de 33 anos, viu sua marca de roupas femininas, Camélia Brand, ser contestada pela gigante francesa Chanel, após tentativa de registro no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). A notificação ocorreu três meses após o depósito do pedido, feito em janeiro de 2024, e veio acompanhada de uma extensa documentação jurídica.
O motivo da oposição? A Chanel afirma que a flor camélia é símbolo icônico e distintivo da marca, presente em joias, acessórios e roupas desde os anos 1920. Segundo a empresa, o uso por terceiros pode confundir o consumidor e configurar concorrência desleal, conforme previsto na Lei da Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96).
A defesa da empreendedora
Éricka, que investiu R$ 3 mil na abertura da loja online em 2023, afirma ter se inspirado na delicadeza da flor para transmitir feminilidade, sem qualquer intenção de se associar à Chanel. Em suas redes sociais, a empreendedora destacou que evitou qualquer similaridade visual com a grife francesa, justamente por conhecer o vínculo histórico da Chanel com a camélia, flor favorita de sua fundadora.
Sua defesa, apresentada formalmente ao INPI, sustenta que
- “Camélia” é o nome de uma flor, de uso comum e sem exclusividade;
- A marca “Camélia Brand” possui identidade visual própria e comunicação voltada a outro público;
- A Chanel possui registro na classe 14 (joias e acessórios), enquanto o pedido da brasileira está na classe 25 (vestuário).
A argumentação também se apoia em decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que reconhecem a possibilidade de coexistência entre marcas evocativas, desde que não haja risco concreto de confusão.
O que diz a Chanel?
Já a Chanel sustenta que o nome “Camélia Brand” reproduz a fonética, grafia e ideologia de sua marca “CAMELIA”, registrada no Brasil desde 2007. Para a empresa, a simples adição do termo “Brand” — que significa “marca”, em inglês — não descaracteriza a associação indevida com sua identidade marcária consolidada.
Como reforço, a Chanel apresentou ao INPI diversas decisões anteriores de indeferimento de registros com nomes semelhantes, como “Caméllia Boutique”, “Caméllia Brazil” e “Camélia Rosada”, inclusive na mesma classe 25. Em todos os casos, o fundamento foi o risco de confusão com a marca “CAMELIA”, registrada na classe 14.
Precedentes reforçam o argumento da grife
Um caso particularmente relevante é o processo nº 914766171, que analisou o pedido da marca mista “CAMÉLIAS”, feito pela empresa Camélias Indústria e Comércio de Confecções LTDA – ME, também na classe 25. Em 30 de abril de 2019, o INPI indeferiu o pedido com base nos incisos XIX e XXIII do artigo 124 da LPI, ao concluir que:
“A marca reproduz ou imita marca alheia registrada (processo nº 826353690 – CAMELIA, classe 14), sendo suscetível de causar confusão ou associação com marca alheia. Além disso, o requerente não poderia desconhecer a existência da marca da Chanel em razão de sua atividade.”
Esse precedente, entre outros, evidencia que o INPI adota uma linha restritiva em relação ao uso do termo “Camélia” por terceiros, especialmente no segmento de moda, mesmo quando há pequenas variações ou acréscimos nominais.
Contexto jurídico e tendências futuras
O caso reacende debates sobre os limites da exclusividade de marcas evocativas — aquelas baseadas em elementos de uso comum, como nomes de flores, cores ou traços naturais. A jurisprudência brasileira tem reconhecido que tais marcas podem ser registradas, desde que apresentem forma distintiva e não induzam o consumidor a erro.
Entretanto, o argumento de que marcas atendem públicos distintos — como uma marca de luxo versus uma marca popular — não é suficiente para afastar o risco de diluição de sinal marcário. Como demonstrado no caso da vinícola francesa Petrus, amplamente debatido nos tribunais e fora deles, o prestígio de uma marca não se limita à sua faixa de preço, e a proteção abrange também sua reputação e valor simbólico no mercado.
Segundo os artigos 129 e 130 e incisos da LPI, o uso exclusivo da marca é garantido apenas mediante registro válido e ao titular da marca é assegurado o direito de zelar por sua integridade material e reputação. Diante desse quadro o INPI tem a responsabilidade legal de assegurar que não haja risco de confusão ou associação indevida entre sinais distintivos.
A expectativa é que o desfecho do caso seja publicado pelo INPI até o final de 2025.
Dica para empreendedores
Casos como o de Éricka Lobo mostram a importância de realizar buscas de anterioridade e viabilidade jurídica da marca antes de qualquer divulgação pública ou investimento. Ferramentas como o Banco de Marcas do INPI e o apoio de advogados especializados em propriedade intelectual são fundamentais para evitar litígios, prejuízos e paralisações de negócios em fase inicial.