Diante da ameaça de sobretaxas de 50% sobre produtos brasileiros, o governo estuda aplicar a Lei de Reciprocidade e suspender patentes americanas em setores estratégicos como forma de resposta. A medida tem amparo legal, peso simbólico, mas exige cálculo preciso.
O impacto direto das tarifas americanas
A imposição de tarifas de 50% sobre produtos brasileiros pode afetar severamente a competitividade de exportações estimadas em mais de US$ 40 bilhões por ano. Setores como carnes, suco de laranja, aço e aeronaves seriam os mais atingidos. Projeções conservadoras indicam que até 30% desse volume pode ser reduzido, o que representaria perdas de até US$ 12 bilhões anuais.
A decisão do governo brasileiro, por ora, é adotar uma abordagem de contenção e aguardar a entrada em vigor das tarifas, prevista para agosto, para analisar os efeitos concretos e calibrar sua resposta.
O que significa suspender patentes
A possibilidade de suspender direitos de propriedade intelectual estrangeiros — especialmente os originários dos Estados Unidos — foi ampliada com a Lei de Reciprocidade Econômica, aprovada este ano. Ela permite que o Brasil adote contramedidas em casos de barreiras comerciais unilaterais.
Além disso, a legislação nacional já prevê, no Artigo 71 da Lei de Propriedade Industrial, o uso do licenciamento compulsório de patentes, inclusive por motivo de interesse público ou desbalanceamento econômico. Isso permite, por exemplo, que empresas brasileiras fabriquem localmente produtos patenteados por multinacionais, sem pagamento de royalties.
Setores visados: saúde, tecnologia e agro
Entre os principais alvos da possível suspensão estão medicamentos de alto custo, sementes transgênicas e tecnologias utilizadas em larga escala. Produtos voltados ao tratamento de doenças crônicas e raras — hoje protegidos por patentes — poderiam ter versões genéricas desenvolvidas localmente. A medida reduziria custos públicos com saúde e impactaria diretamente grandes conglomerados americanos.
No entanto, a capacidade de produção local, os trâmites sanitários e as condições técnicas do setor produtivo nacional seriam fatores determinantes para o sucesso de uma estratégia como essa.
Casos anteriores: entre avanço e tensão
O Brasil já utilizou mecanismos semelhantes em episódios anteriores. O mais marcante foi a chamada “guerra do algodão”, quando, após longa disputa internacional, o país foi autorizado a aplicar sanções comerciais contra os EUA. A mera ameaça de suspender patentes de empresas americanas resultou em acordo financeiro substancial.
Outro caso foi o licenciamento compulsório do antirretroviral Efavirenz, em 2007. A decisão reduziu custos de tratamento de HIV, mas gerou reações negativas de laboratórios internacionais e comprometeu futuras parcerias em programas de acesso a medicamentos.
Esses exemplos demonstram que a suspensão de patentes pode funcionar como ferramenta de pressão, desde que usada com moderação e respaldo técnico.
Serviços digitais e plataformas: seriam afetados?
Embora a legislação permita o bloqueio de royalties sobre softwares e plataformas digitais, suspender a proteção jurídica de serviços como streaming e redes sociais é improvável. Além de atingir diretamente o consumidor final, tal medida geraria insegurança jurídica e prejudicaria a economia criativa nacional.
Portanto, a tendência é que uma eventual retaliação nessa área seja limitada e cuidadosamente calibrada.
Comparando mercados: exportações vs. royalties de PI
Indicador | Valor estimado |
Exportações brasileiras para os EUA | US$ 40,7 bilhões por ano |
Mercado de PI dos EUA no Brasil (royalties, patentes) | US$ 5 a 10 bilhões por ano |
Proporção | Exportações são 4 a 8 vezes maiores |
A comparação mostra que, em termos puramente financeiros, suspender patentes não compensa o impacto tarifário. No entanto, o peso simbólico da medida e o efeito sobre cadeias estratégicas tornam a resposta relevante no campo diplomático.
Estratégia e Teoria dos Jogos
Ao acenar com a suspensão de patentes, o Brasil adota uma tática de dissuasão, buscando elevar o custo político e econômico da tarifa para os Estados Unidos sem necessidade de executá-la de imediato.
Esse tipo de jogada segue o modelo da Teoria dos Jogos: a simples ameaça muda o comportamento do adversário, podendo levá-lo a negociar ou recuar.
Contudo, o Brasil ocupa uma posição assimétrica: é mais dependente da tecnologia americana do que o inverso. A estratégia, portanto, precisa ser bem orquestrada, sob risco de provocar mais danos que soluções.
Riscos e possíveis consequências
- Insegurança jurídica: Uma suspensão ampla e sem critério pode afastar investidores, especialmente em setores de inovação e tecnologia.
- Retaliação cruzada: Os EUA poderiam reagir com restrições a empresas brasileiras que atuam em solo americano ou com barreiras não tarifárias.
- Reação em cadeia: Multinacionais poderiam rever suas operações no Brasil, redirecionando investimentos para mercados considerados mais estáveis.
- Pressão internacional: O país pode ser criticado por descumprir normas multilaterais, caso não acione previamente os mecanismos da OMC.
Caminhos possíveis e próximos passos
Até agosto, o governo pretende:
- Avaliar o impacto efetivo das tarifas por setor;
- Consultar aliados comerciais e fóruns multilaterais;
- Considerar ações calibradas — como a suspensão seletiva de patentes de medicamentos específicos;
- Priorizar a via diplomática, sem abdicar do direito de resposta jurídica.
O cenário mais provável é uma combinação de pressão estratégica e busca por canais de negociação — mantendo a suspensão de PI como uma carta na manga, mais do que como ação concreta.
Conclusão
Suspender patentes é juridicamente possível, já foi usado com sucesso pelo Brasil e pode ter efeito dissuasório real. No entanto, trata-se de uma ferramenta delicada, que exige ponderação, estratégia internacional e avaliação técnica rigorosa. Usada com equilíbrio, pode reequilibrar forças em uma disputa desigual. Mal utilizada, pode afastar investimentos e isolar o país num cenário de crescente protecionismo global.