Meditação XVII – John Donne (1624)
Nunc lento sonitu dicunt, morieris — Agora este sino, tocando suavemente por outro, diz para mim: você deve morrer.
Talvez aquele por quem o sino dobra esteja tão enfermo que não perceba que dobra por ele; e talvez eu me julgue melhor do que sou, a ponto de que aqueles que me cercam, vendo meu estado, tenham feito o sino dobrar por mim — e eu não saiba disso. A Igreja é católica, universal, e assim são todas as suas ações: tudo o que ela faz pertence a todos. Quando batiza uma criança, essa ação diz respeito a mim, pois a criança é então unida àquela cabeça que também é a minha, enxertada naquele corpo do qual sou membro. E quando a Igreja sepulta um homem, essa ação também me diz respeito; pois toda a humanidade tem um único autor e é um só volume. Quando um homem morre, um capítulo não é arrancado do livro, mas traduzido para uma linguagem melhor; e todo capítulo deve ser assim traduzido. Deus emprega diversos tradutores: alguns traduzem pela velhice, outros pela doença, outros pela guerra, outros pela justiça; mas a mão de Deus está em cada tradução, e Sua mão reunirá novamente todas as nossas folhas dispersas naquela biblioteca onde cada livro estará aberto aos outros.
Assim como o sino que chama ao sermão não convoca apenas o pregador, mas toda a congregação, também este sino chama a todos nós — e ainda mais a mim, que por esta enfermidade fui trazido tão perto da porta. Houve certa disputa — que chegou mesmo a processo, onde piedade e dignidade, religião e reputação se misturaram — sobre qual das ordens religiosas deveria tocar primeiro para as orações da manhã; e decidiu-se que tocaria primeiro aquela que despertasse mais cedo. Se compreendêssemos devidamente a dignidade deste sino que dobra para a nossa oração vespertina, alegrar-nos-íamos em fazê-lo nosso, madrugando nesse propósito, para que fosse nosso assim como é daquele por quem, de fato, ele toca.
O sino dobra por aquele que acredita que ele dobra; e ainda que cesse por um momento, desde o instante em que essa ocasião o tocou, ele já está unido a Deus. Quem não ergue os olhos ao sol quando ele nasce? Mas quem desvia o olhar de um cometa quando irrompe no céu? Quem não inclina o ouvido a qualquer sino que toque, seja qual for o motivo? Mas quem pode afastar-se desse sino quando um pedaço de si mesmo está sendo levado para fora deste mundo?
Nenhum homem é uma ilha, inteira em si mesma; cada homem é uma parte do continente, uma porção do todo. Se um torrão de terra for levado pelo mar, a Europa fica menor, como se tivesse perdido um promontório, como se tivesse perdido a casa de um amigo seu, ou a sua própria. A morte de qualquer homem me diminui, porque pertenço à humanidade; e, portanto, nunca mande perguntar por quem os sinos dobram — eles dobram por você.
Nem podemos chamar isso de mendigar miséria ou de pedir emprestada a miséria, como se não fôssemos já suficientemente miseráveis por nós mesmos e ainda precisássemos buscar mais na casa ao lado, tomando para nós a miséria de nossos vizinhos. Seria, de fato, uma cobiça perdoável se o fizéssemos, pois a aflição é um tesouro, e raramente alguém tem o bastante. Ninguém possui aflição suficiente, a menos que por ela amadureça e se torne apto para Deus. Se uma pessoa leva consigo tesouros em ouro bruto ou em barras, e não tem parte cunhada em moeda corrente, seu tesouro não a sustentará durante a viagem. A tribulação é um tesouro em sua natureza, mas não é moeda corrente em seu uso, a menos que por meio dela nos aproximemos cada vez mais de nossa morada — o céu. Outra pessoa pode estar doente também, à beira da morte, e essa aflição pode estar em suas entranhas, como o ouro numa mina, sem utilidade alguma para ela; mas este sino, que me fala de sua aflição, desenterra esse ouro e o aplica a mim. Se, pela contemplação do perigo do outro, considero o meu próprio, e assim me asseguro, voltando-me ao meu Deus — que é a nossa única segurança.
Fragmentos de Eternidade
Nenhum homem é uma ilha.
Quando um homem morre, um capítulo é traduzido.
A morte de qualquer homem me diminui.
Nunca pergunte por quem os sinos dobram — eles dobram por você.
Nota editorial
Esta tradução busca preservar a clareza teológica e a música interna da prosa de John Donne em Devotions upon Emergent Occasions (1624), com registro contemporâneo do português brasileiro. Optou-se por “você” em lugar de “tu” para garantir legibilidade moderna sem sacrificar a solenidade. Mantiveram-se imagens-chave, a morte como tradução, a humanidade como volume e biblioteca, o sino como órgão da comunhão, e os seis trechos de maior ressonância cultural foram destacados em negrito. A tradução é fiel ao sentido do original e adequada para leitura crítica e devocional.
Créditos
Autor: John Donne.
Obra: Devotions upon Emergent Occasions, Meditação XVII (1624). Domínio público.
Fontes do texto original: Project Gutenberg.
Tradução e edição: Rubens Baptista — Oficina de Poesia & Prosa (Poíeses).

