O INPI e o Putos desse Danilo Gentili & Cia.

INPI entra em cena no caso Petrus x Putos e transforma o caso em thriller que mistura Kafka com Hitchcock.
Órgão que antes indeferiu “PUTOS” por suposta obscenidade agora concede registro à marca figurativa do rótulo. Comediantes, marca francesa e INPI protagonizam triângulo dramático que desafia os limites entre moral, sátira e propriedade intelectual


Rumo ao Terceiro Cinema

O enredo jurídico que opõe a vinícola francesa “PETRUS”ao “PUTOS”, um vinho nacional de viés humorístico, ganhou um novo protagonista: o INPI, Instituto Nacional da Propriedade Industrial.

Após indeferir o pedido de registro da marca “PUTOS” (processo 924898950) com base em alegação de conteúdo “potencialmente ofensivo” (LPI art. 124, III), o INPI agora concedeu o registro ao rótulo como marca figurativa, aumentando o suspense quanto ao resultado do processo na Justiça Estadual de São Paulo (processo 1082835-82.2024.8.26.0100).

O indeferimento de “PUTOS” gerou um processo judicial contra o INPI, que está tramitando na Justiça Federal Carioca (processo 5076948-83.2024.4.02.5101). Será que o deferimento do registro ao rótulo gerará outro?

O caso que, para alguns, parecia uma comédia está se tornando um thriller com muitas reviravoltas, novos personagens e muito suspense.


Obscenidade está na cabeça de quem leu? Qual o Nome da Rosa?

Em O Nome da Rosa, Umberto Eco trata dos conflitos entre moralidade e poder da linguagem, pois, no monastério onde se desenrola a história, o riso é visto como algo perigoso. Qualquer semelhança com o debate é mera coincidência…

O argumento de “ofensa à moral e aos bons costumes” é tradicionalmente polêmico em direito marcário. Sinais mudam de significado conforme o tempo, o grupo social e o contexto cultural. Mesmo a jurisprudência administrativa do próprio INPI não é uníssona, como revelam registros já concedidos que utilizam expressões de conotação forte:

  • “Foda Truck” (registro concedido em 11/12/2018 – processo 912958804)
  • “Mulher Enfoderada” (registro concedido em 22/12/2020 – processo 919341012)
  • “Um Puta Festival” (registro concedido em 14/11/2023 – processo 927585057)

Esses precedentes apontam para uma possível tolerância ao uso de expressões populares, sobretudo quando envolvem crítica social, ironia ou linguagem humorística.

De qualquer maneira, a Justiça Federal do Rio de Janeiro decidirá. O processo segue aguardando julgamento.


Semiótica e mais subjetividade pela frente

O mesmo INPI que indeferiu o pedido de registro da marca “PUTOS” aceitou o registro figurativo do rótulo, sem o nome grafado. A decisão, apesar de técnica, marca uma mudança sensível de critério, já que o conteúdo visual do rótulo permanece praticamente o mesmo — e, para alguns analistas, segue carregado de ambiguidade proposital.

Assim sendo, não será surpresa se, desta vez, for a Petrus quem processe o INPI, buscando a nulidade do registro recém concedido, com base no art. 173 da LPI.

Com a multiplicidade de processos e decisões, o litígio assume contornos kafkianos, nos quais o INPI e o Judiciário se alternam em decisões contraditórias, com fundamentos que se sobrepõem, se anulam ou se refazem — como no labirinto institucional descrito por Franz Kafka, em O Processo.

Assim, o que começou como uma provocação de marketing ganha as camadas narrativas de uma trama em três atos e três protagonistas, como num mistério moderno: a grife francesa Petrus, o rótulo humorístico nacional e o próprio Estado.

Bem-vindos ao Terceiro Cinema!


Nota – Três leituras e um filme para ir além da PI:

📚 Umberto Eco – O Nome da Rosa
Sobre o riso como ameaça e o poder de censura por trás do discurso religioso/moral.

📚 Franz Kafka – O Processo
A ilustração perfeita da confusão institucional quando o sujeito já não entende se está sendo julgado, autorizado ou silenciado.

📚 Agatha Christie – Convite para um Homicídio
Uma trama onde todos têm um motivo, todos parecem inocentes, e a verdade só aparece com o tempo — se aparecer.

📚 Alfred Hichcook – Intriga Internacional (North by Northwest, 1959)
No enredo, o protagonista é envolvido em um labirinto de enganos, perseguido por algo que não compreende totalmente, preso numa trama que parece não ter saída.


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