Stellantis e Petrobras lideram patentes nacionais, universidades públicas se destacam com apoio de bolsas e multinacionais dominam marcas e tecnologias. O jogo dos royalties mudou, com a Lei nº 14.596/23, e o Brasil precisa transformar ciência em Soberania Tecnológica.
O Ranking de Depositantes 2024, divulgado pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, mostra a força das universidades públicas, a liderança industrial de Stellantis e Petrobras em patentes, e o domínio de multinacionais como Qualcomm e Amazon em ativos intangíveis no Brasil. A Lei nº 14.596/2023, que reformulou as regras de royalties, traz oportunidades e riscos tributários relevantes. Neste artigo, analisamos os dados por meio de um framework estratégico integrado — baseado em Teoria dos Jogos, Economia da Inovação e Geopolítica Tecnológica — para identificar caminhos rumo à Soberania Tecnológica Nacional.
Destaques do Ranking INPI 2024
Patentes de Invenção – Residentes
Rank | Depositante | Depósitos |
1 | Stellantis Automóveis Brasil | 185 |
2 | Petrobras | 155 |
3 | Universidade Federal de Campina Grande | 86 |
4 | Universidade Federal da Paraíba | 76 |
5 | Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) | 71 |
Patentes de Invenção – Não Residentes
Rank | Depositante | Depósitos |
1 | Qualcomm | 1.002 |
2 | Huawei | 330 |
3 | Nicoventures Trading Ltd. | 223 |
4 | BASF SE | 195 |
5 | Deere & Company | 195 |
Marcas – Residentes
Rank | Depositante | Depósitos |
1 | We Pink (cosméticos) | 281 |
2 | Sociedade Esportiva Palmeiras | 210 |
3 | Globo Comunicação | 205 |
4 | SBT – São Paulo | 190 |
5 | Tribrazil Comércio de Produtos | 185 |
Marcas – Não Residentes
Rank | Depositante | Depósitos |
1 | Amazon Technologies Inc. | 187 |
2 | Novartis AG | 173 |
3 | Euro Games Technology | 108 |
4 | L’Oréal | 94 |
5 | GDSGrow Supplements | 90 |
Insights Rápidos
- Universidades públicas lideram nas patentes requeridas por residentes no Brasil, impulsionadas bolsas de pesquisa (CAPES, CNPq, FAPESP) e pelo incentivo às patentes e não apenas a publicação de artigos científicos.
- Multinacionais como Qualcomm e Huawei reforçam a dependência tecnológica brasileira com grande volume de depósitos, um quadro ainda mais preocupante quando se considerada a atual política de remessa de royalties.
- Marcas Nacionais se concentram nos setores de consumo (cosméticos, mídia), enquanto as Marcas Estrangeiras priorizam tecnologia e saúde.
Universidades e Bolsas: O Motor da Inovação Brasileira
O protagonismo de instituições como UFMG e UFCG no ranking de patentes revela o impacto estrutural do Sistema Nacional de Inovação. Financiamentos por CAPES, CNPq e FAPs estaduais sustentam:
- Pesquisa aplicada – Ex.: UFMG desenvolve soluções para mineração sustentável.
- Gestão de PI – NITs estruturam e impulsionam pedidos de patente.
- Formação de talentos – Bolsas atraem pesquisadores para áreas estratégicas.
Desafio: Apesar do volume, que poderia ser maior, há baixa conversão em licenciamentos, por entraves como o backlog do INPI e a fragilidade na articulação universidade-empresa.
Análise Estratégica: PI, Economia e Geopolítica
Teoria dos Jogos (von Neumann, Nash)
- Insight: Multinacionais maximizam domínio de mercado por meio de patentes; universidades buscam reconhecimento acadêmico. O Brasil precisa jogar com estratégias de licenciamento e parcerias produtivas.
- Exemplo: A disputa Huawei vs. Qualcomm por tecnologias 5G afeta diretamente o acesso brasileiro a infraestrutura crítica. A China já fez seu primeiro teste de 6G, baixando um arquivo de 50GB em apenas 1 segundo. Muito ainda acontecerá aqui.
Economia da Inovação (Schumpeter, Lundvall)
- Insight: O ecossistema de inovação depende de fomento contínuo, mas a ausência de articulação com o setor produtivo limita resultados econômicos.
- Exemplo: A UFMG gera patentes relevantes, mas a falta de escala industrial e canais de licenciamento reduz seu impacto.
Geopolítica Tecnológica (Zuboff, Mazzucato)
- Insight: O controle da propriedade intelectual por grandes corporações estrangeiras pode gerar colonização digital, seja por infraestrutura tecnológica (controle estrutural) ou por influência de marca e cultura (soft power). A Lei nº 14.596/23, ao flexibilizar a dedução de royalties, pode ampliar a evasão de capitais e aprofundar a dependência tecnológica do Brasil.
- Exemplo: Ao registrar marcas e tecnologias no Brasil, a Amazon consolida sua presença no varejo nacional, ampliando sua influência sobre o consumo e os dados dos usuários. Enquanto isso, o país se torna exportador de lucros intangíveis, ao transferir valor via royalties para matrizes no exterior — sem contrapartida proporcional em inovação ou desenvolvimento local.
Lei nº 14.596/23: O Novo Jogo dos Royalties
A recente reforma tributária que eliminou o teto de dedutibilidade de royalties no IRPJ, ao adotar o regime do Arm’s length (ou “princípio do valor de mercado”), abre um novo cenário para a propriedade intelectual no Brasil.
De um lado, surge uma oportunidade: a maior flexibilidade fiscal pode incentivar a transferência legítima de tecnologia, atraindo investimentos e know-how estrangeiro.
De outro, acende-se um alerta: empresas multinacionais podem utilizar contratos inflacionados entre matriz e filial para reduzir artificialmente a base tributária brasileira.
Sem uma regulação eficaz e transparente, o país corre o risco de ver sua base fiscal erodida, ao mesmo tempo em que perde controle sobre sua própria capacidade de inovação.
Brasil no Cenário Global: Consumidor ou Produtor de PI?
O ranking reforça o papel do Brasil como território de consumo e proteção, mas não de liderança tecnológica. A alta dependência de PI estrangeira e a baixa taxa de licenciamento doméstico exigem políticas públicas integradas, que unam educação, indústria e tecnologia em torno de uma estratégia de soberania digital.
Conclusão
O Ranking INPI 2024 revela um Brasil cientificamente ativo, com universidades públicas sustentadas por políticas consistentes de fomento à pesquisa. No entanto, o país ainda enfrenta uma vulnerabilidade estratégica: enquanto forma talentos e gera conhecimento, vê empresas estrangeiras capturarem valor por meio de ativos de propriedade intelectual.
A recente flexibilização da política de royalties, com a entrada em vigor da Lei nº 14.596/23, representa uma encruzilhada. Dependendo da regulação, o país poderá tanto fortalecer a atração de tecnologia quanto abrir espaço para a erosão de sua base tributária e produtiva.
Transformar ciência em soberania tecnológica exige mais do que inovação acadêmica: passa pela modernização institucional, aproximação entre setor público e privado, e valorização estratégica da PI em todos os níveis — da sala de aula à política industrial.
Se o Brasil quiser reverter o papel de mero consumidor de tecnologia, precisará cultivar pontes entre pesquisa, mercado e políticas públicas — com incentivos inteligentes, regulação atenta e foco em nichos onde já demonstra vantagem.
Não se pode falar de soberania no sentido amplo se não houver soberania tecnológica.