Patentes Expirando: Agitação no Mercado de Genéricos no Brasil até 2030

Indústria farmacêutica nacional se mobiliza com a expiração de 1.500 patentes e já começa a lançar medicamentos mais baratos, como o “Ozempic brasileiro”


O que está em jogo com o fim de 1.500 patentes?

A indústria farmacêutica brasileira está diante de uma transformação estratégica: até 2030, aproximadamente 1.500 patentes de medicamentos — incluindo princípios ativos e processos — perderão sua validade. No Brasil as patentes têm uma duração máxima de 20 anos, contados a partir de sua solicitação ao INPI, e as que estão prestes a expirar cobrem cerca de 1.000 fármacos utilizados no tratamento de 186 doenças, entre elas câncer, diabetes, inflamações e infecções.

Com a queda da proteção legal, empresas nacionais poderão lançar versões genéricas ou similares, que por lei devem custar ao menos 35% menos do que os medicamentos de referência. A medida tem potencial para baratear o acesso da população a tratamentos de alto custo e aliviar os cofres públicos.


Crescimento do mercado de genéricos

Segundo a Abifina (Associação Brasileira da Indústria de Química Fina), o mercado brasileiro pode crescer 20% com o fim destas patentes. Atualmente, o país já conta com 4.600 genéricos registrados, com um faturamento de R$ 20,4 bilhões em 2024, de acordo com a PróGenéricos — alta de 13,5% em relação ao ano anterior.

Além disso, cerca de 85% dos medicamentos distribuídos pelo programa Farmácia Popular são genéricos, reforçando sua importância para o sistema público de saúde.


Impacto direto no SUS

A projeção é de uma economia bilionária para o Sistema Único de Saúde (SUS). O Ministério da Saúde estima que poderá reduzir em 30% a 40% os custos de aquisição de medicamentos, com destaque para o eculizumabe — indicado para doenças raras do sangue — cuja versão genérica pode gerar economia de até R$ 1 bilhão por ano.

Alguns destes medicamentos são tecnologicamente atrasados, afinal, tem no mínimo duas décadas, porém, considerando sua ampla oferta ao mercado e o inconformismo demonstrado por alguns laboratórios com a situação, pode-se crer que sua vida útil ainda seja longa.


EMS antecipa futuro e lança o “Ozempic brasileiro”

Em agosto de 2025, a EMS iniciou a distribuição das primeiras canetas de liraglutida produzidas no Brasil: Lirux (para diabetes tipo 2) e Olire (indicada para obesidade). Ambas já estão disponíveis em grandes redes, com vendas online e físicas no Sul e Sudeste, com preços que chegam a um terço daqueles cobrados pelo Ozempic original.

A empresa investiu R$1 bilhão para viabilizar a produção, incluindo a construção de uma fábrica de peptídeos em Hortolândia (SP), inaugurada em 2024. Trata-se de um exemplo concreto de como a indústria nacional está reagindo à transição pós-patentes, fortalecendo a produção local de alto valor agregado.


Investimentos públicos e privados no setor farmacêutico

Entre 2023 e junho de 2025, o BNDES liberou R$ 7,8 bilhões para o setor de saúde — um aumento de 72% em comparação aos quatro anos anteriores. Com o reforço de R$ 4 bilhões da Finep, o total chega a R$ 11,8 bilhões, dentro da política da Nova Indústria Brasil (NIB).

Esses recursos são destinados à pesquisa, desenvolvimento de IFAs (Insumos Farmacêuticos Ativos) e construção de fábricas, com o objetivo de reduzir a dependência de importações. Laboratórios como Aché, Eurofarma e Teuto também estão ampliando sua capacidade produtiva.


Ozempic e a disputa de patentes em curso

Outro foco de atenção é a semaglutida, princípio ativo do Ozempic e Wegovy, da dinamarquesa Novo Nordisk. A patente está prevista para expirar em 20 de março de 2026, mas a empresa busca prorrogá-la via ação no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

A Novo Nordisk alega que o INPI levou 13 anos para analisar o pedido, e busca aplicar o mecanismo de Patent Term Adjustment (PTA), comum nos Estados Unidos, mas ainda controverso no Brasil.

Apesar de o Supremo Tribunal Federal (STF) ter declarado inconstitucional a prorrogação automática de patentes em 2021, a empresa tenta uma reinterpretação judicial. O caso pode chegar ao STF, gerando precedentes importantes.


Disputas Judiciais e Desafios Institucionais

Tentativas frequentes de estender prazos via Judiciário

Laboratórios estrangeiros têm recorrido à Justiça para obter prorrogações de patentes com base em atrasos do INPI. Entretanto, os tribunais têm adotado uma linha firme contra essas tentativas, especialmente após o julgamento da ADI 5.529, onde o STF entendeu que o parágrafo único do art. 40 da LPI — que permitia extensão automática da patente — era inconstitucional.

Desafios institucionais e caminhos para o futuro

O tempo médio para concessão de patentes no Brasil ainda é um entrave significativo. Segundo dados recentes, o prazo de análise no INPI gira em torno de 4,3 anos, bem acima da média internacional. Embora o instituto tenha avançado com o Plano de Combate ao Backlog, a meta de concluir análises em até 2 anos até 2026 ainda depende de ajustes estruturais e institucionais.

Nesse contexto, parte do setor produtivo levanta críticas à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), na ADI 5.529/2021, que proibiu a prorrogação automática de patentes. Isso porque, até a concessão, o titular de um pedido não tem plenos poderes para impedir contrafações, o que representa insegurança jurídica para empresas que investem em pesquisa, inovação e desenvolvimento tecnológico.

Apesar de sua capacidade técnica consolidada, o INPI enfrenta limitações orçamentárias. Em 2024, a autarquia arrecadou mais de R$ 800 milhões com taxas de serviços, mas grande parte desse valor foi contingenciada pelo Tesouro Nacional, sem retorno direto para melhorias operacionais. Por isso, cresce a pressão por um modelo de autonomia financeira, que permitiria ao órgão reter integralmente sua arrecadação, tornando-o plenamente superavitário, pois arrecada muito mais do que custa, e mais eficiente na concessão de direitos de propriedade industrial.

Enquanto isso, o setor farmacêutico brasileiro já se movimenta. Laboratórios nacionais acompanham de perto o fim da proteção da semaglutida — princípio ativo do Ozempic — previsto para 2026, e aguardam autorização da Anvisa para lançar versões genéricas assim que a exclusividade expirar. A expectativa é que a indústria nacional ganhe competitividade, e o consumidor, acesso mais rápido e barato a medicamentos de alto custo.


Conclusão

A expiração de 1.500 patentes até 2030 representa uma oportunidade histórica para o Brasil tornar medicamentos mais acessíveis, reduzir os gastos públicos com saúde e, ao mesmo tempo, estimular a inovação nacional no setor farmacêutico e biotecnológico.

Com investimentos públicos e privados em expansão e decisões judiciais alinhadas ao interesse coletivo, o país se prepara para assumir a liderança na produção de medicamentos genéricos na América Latina. No entanto, a persistência do backlog de patentes no INPI ainda compromete a previsibilidade e pode gerar insegurança jurídica, inibindo investimentos nacionais e internacionais em pesquisa e desenvolvimento (P&D).

É preciso reconhecer que não existe soberania econômica ou sanitária sem soberania tecnológica. E essa, por sua vez, depende diretamente de um sistema sólido, célere e confiável de proteção à propriedade intelectual.

Fortalecer o INPI e garantir sua autonomia financeira e funcional é, portanto, estratégico para o futuro da saúde, da indústria e da ciência no Brasil.


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