O governo propõe nova lei para impor regras às gigantes digitais com receita superior a R$ 5 bilhões no país. Não vai inverter o jogo. Mas pode tornar o campo um pouco menos inclinado.
O Governo Federal enviou à Câmara dos Deputados, em setembro de 2025, um projeto de lei que pretende regular a atuação de plataformas digitais com poder de mercado no Brasil. A proposta atinge empresas com receita superior a R$ 5 bilhões e amplia as competências do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) para impor condutas às Big Techs. O objetivo: frear abusos concorrenciais e garantir um ambiente digital mais justo.
O cenário que antecede o cerco
Há muito tempo o Cade já observa o comportamento das gigantes digitais. Já em agosto de 2021, o órgão publicou o relatório técnico Mercados de Plataformas Digitais, que traça um retrato minucioso de mais de 140 operações de concentração e dezenas de investigações por abuso de posição dominante, com foco em empresas como Google, Amazon, Meta, Apple, entre outras.
O documento mostra como essas empresas operam em mercados com forte tendência à concentração, impulsionada por efeitos de rede, integração vertical e uso intensivo de dados como insumo estratégico.
A digitalização da economia transformou intermediários em impérios. Plataformas que antes apenas conectavam, agora controlam acesso, ditam regras e eliminam concorrência com algoritmos silenciosos.
O que muda com o novo projeto
A proposta de lei, que vem sendo chamada de “PL da Concorrência Digital Justa”, apresenta um regime específico para plataformas consideradas gatekeepers (porteiros do mercado), com base em seu faturamento e posição dominante. Entre as obrigações previstas, o Cade poderá:
- Proibir autopreferência de serviços e produtos próprios;
- Exigir interoperabilidade e compartilhamento de dados com concorrentes menores;
- Impedir a restrição da portabilidade de dados de usuários e empresas;
- Impor remédios estruturais em caso de reincidência.
Na prática, isso transforma o Cade em regulador de plataformas, com poderes preventivos, investigativos e sancionatórios. O que hoje é uma vigilância pontual passaria a ser uma regulação sistêmica.
Por que isso importa?
Porque, do outro lado da tela, estão milhares de consumidores, pequenos negócios e startups que enfrentam o dilema de competir em terrenos controlados por poderosos algoritmos. Controlar as Big Techs pode abrir espaço real para a inovação, inibindo o crescimento e a reprodução de monopólios disfarçados de ecossistemas.
Além disso, a proposta dialoga com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e o Marco Civil da Internet, reconhecendo que os dados dos usuários são também moeda de troca e barreira de entrada. A falta de interoperabilidade e a assimetria informacional travam não apenas a concorrência, mas a própria cidadania digital.
Quando os sistemas das plataformas não se conectam e só elas têm acesso aos dados, outras empresas têm dificuldade para competir — e as pessoas perdem o poder de escolher, com liberdade, como usar seus dados e serviços na internet.
Conflito regulatório e próximos passos
A proposta ainda promete polêmica. Há risco de choque institucional com a ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados), incertezas sobre como o Cade vai exercer suas novas funções regulatórias e — como era de se esperar — resistência organizada das Big Techs.
O texto será analisado por pelo menos três comissões na Câmara: Desenvolvimento Econômico, Defesa do Consumidor e Ciência e Tecnologia. São previstas audiências públicas com participação de especialistas, empresas e representantes da sociedade civil.
Enquanto isso, os algoritmos seguem reinando — com poder de ministro do Supremo, mas sem toga, sem voto e, claro, sem precisar explicar nada a ninguém.