Arte, Propriedade Intelectual e softpower: a vitória da artista brasileira e o valor estratégico das narrativas visuais
Bilquis Evely conquista Eisner Awards com Helen of Wyndhorn
No dia 25 de julho de 2025, a artista brasileira Bilquis Evely foi reconhecida com o Eisner Awards na categoria Melhor Desenhista/Arte-Finalista, por seu trabalho na HQ Helen of Wyndhorn, ao lado do roteirista Tom King. A obra, publicada nos Estados Unidos pela Dark Horse Comics, chegou ao Brasil em 22 de julho, pela Editora Suma, poucos dias antes da premiação.
O Eisner Awards, considerado o “Oscar dos Quadrinhos”, consagra os maiores nomes da arte sequencial mundial. A vitória de Bilquis — a primeira mulher brasileira a vencer nesta categoria — marca um ponto de virada simbólico e geopolítico para o país: é o talento brasileiro ocupando espaço no centro da economia criativa global.
Um mercado em expansão bilionária
A indústria global de quadrinhos movimentou entre US$ 16,8 e 18,1 bilhões em 2024, com projeções que apontam para um faturamento de até US$ 31 bilhões até 2034. Somente os Estados Unidos registraram cerca de US$ 1,87 bilhão em 2023, mesmo com retração no varejo.
Na América Latina, o mercado segue em crescimento acelerado, com o Brasil liderando a região, e projeções que superam US$ 300 milhões anuais nos próximos anos. O país já responde por uma parcela significativa das vendas de HQs e mangás no continente, com crescente interesse por produções nacionais e independentes.
Esse mercado envolve muito mais do que livros: se desdobra em franquias multimídia, que incluem filmes, séries, animações, jogos digitais, licenciamentos e produtos colecionáveis. Trata-se de um ecossistema onde Propriedade Intelectual é a base legal e comercial de todo o valor gerado.
Bilquis Evely: sofisticação visual e linguagem internacional
Bilquis já havia se destacado com Supergirl: Woman of Tomorrow, aclamada minissérie da DC Comics que será adaptada para os cinemas em 2026. Com Helen of Wyndhorn, sua arte atinge nova dimensão: fluida, expressiva, lírica e cinematográfica.
Sua conquista é mais do que merecida — representa uma geração de artistas brasileiros que dominam técnica, estilo e linguagem global. O Brasil, por meio de talentos como ela, mostra ao mundo que tem não apenas mão de obra qualificada, mas autoria criativa competitiva em nível internacional.
Mauricio de Sousa: Importante Exemplo Brasileiro
É impossível falar de quadrinhos no Brasil sem citar Mauricio de Sousa, criador da Turma da Mônica e fundador da Mauricio de Sousa Produções (MSP). A MSP é, há décadas, o maior case de sucesso em gestão de IPs visuais no país: transformou personagens autorais em uma marca nacional, com presença em revistas, livros, animações, longas-metragens, parques, licenciamentos e educação.
A Turma da Mônica é prova viva de que é possível criar, manter e rentabilizar Propriedade Intelectual no Brasil, com alcance internacional. O caminho trilhado por Mauricio serve como referência para novas gerações de artistas e editoras que queiram ir além da publicação e estruturar suas criações como ativos culturais e econômicos.
HQs como plataforma de softpower
Quadrinhos são mais do que entretenimento — são veículos de identidade, linguagem e influência. As grandes potências do mundo compreenderam isso: os Estados Unidos, com seus super-heróis e sagas cinematográficas; o Japão, com os mangás e animes; a França, com a valorização institucional das bande dessinées; e a Coreia do Sul, com o sucesso global dos webtoons.
A narrativa visual sempre foi um importante instrumento de softpower — a capacidade de projetar valores, cultura e prestígio internacional sem força militar. Ao ocupar esse espaço, países expandem seu poder simbólico, econômico e geopolítico.
O Brasil, com talentos como Bilquis Evely e estruturas como a MSP, tem todos os elementos para integrar esse jogo global. Mas, para isso, precisa reconhecer que Arte é Estratégia, Cultura é Soberania e Propriedade Intelectual é Poder.
O que falta ao Brasil?
Falta estruturar o caminho. Isso passa por:
- Contratos mais justos com cláusulas de royalties, participação em adaptações e reconhecimento moral;
- Apoio jurídico e educacional para o registro e licenciamento de obras visuais no Brasil e no exterior;
- Políticas públicas específicas para fomentar IPs autorais brasileiros no audiovisual, editorial e tecnológico;
- Internacionalização profissionalizada das criações nacionais com suporte governamental e empresarial.
Brasil tem talentos e mercado, falta organização, interesse governamental e do grande capital nacional para reter talentos, desenvolver e exportar suas narrativas com inteligência estratégica e começar receber royalties ao invés de pagá-los.
Conclusão: talento, royalties e soberania
A vitória de Bilquis Evely no Eisner Awards é motivo de celebração, mas também de alerta. Mostra que o Brasil pode — e deve — ocupar lugar de destaque na economia criativa global, transformando talento em política, criação em marca e arte em estratégia nacional.
Royalties, exportação cultural e identidade coletiva caminham juntos quando há visão de longo prazo. Nesses tempos, como foi antes, o poder também se mede pela capacidade de contar histórias, os quadrinhos são um campo de disputa geopolítica — e o Brasil precisa estar presente se preza sua soberania.