Investigação do USTR pressiona o Brasil em cenário comercial delicado e reacende debate sobre prazos no INPI
Washington abre ofensiva contra o INPI
Uma investigação aberta pelo Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR), em julho de 2025, com base na Seção 301 da Lei de Comércio dos EUA, acusa o Brasil de provocar prejuízos às empresas americanas com atrasos “excessivos” na análise de pedidos de patente, especialmente no setor farmacêutico. Segundo os norte-americanos, a morosidade viola compromissos assumidos pelo Brasil em tratados internacionais.
Por que os EUA estão pressionando?
De acordo com a PhRMA (Pharmaceutical Research and Manufacturers of America), o tempo médio de análise de patentes farmacêuticas no Brasil ultrapassou 9 anos entre 2020 e 2024. Esse cenário reduziria significativamente o período de exclusividade, impactando o retorno sobre investimentos em inovação de empresas multinacionais.
Avanços do INPI e resposta institucional
O Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) reconhece o histórico de backlog, mas ressalta melhorias recentes. Conforme o Plano Estratégico 2023–2026, o tempo médio de decisão já caiu para 4,6 anos, com meta de dois anos até 2026. Entre as ações em curso estão concursos públicos, digitalização de processos e reforço da cooperação internacional.
Impacto jurídico: STF eliminou extensão automática
A pressão internacional ocorre em meio a uma série de mudanças internas. Em 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da ADI 5529/DF, declarou inconstitucional a extensão automática do prazo de patentes (prevista no parágrafo único do art. 40 da LPI). Com isso, foi retirada a garantia de sete anos mínimos de vigência após a concessão, o que gerou insegurança jurídica para empresas do setor farmacêutico, segundo críticos.
Essa insegurança levou ao aumento da judicialização, com ações buscando a extensão compensatória de prazos (Patent Term Adjustment – PTA). As empresas alegam que os atrasos ferem princípios como a razoável duração do processo e a função social da propriedade intelectual.
Judiciário: extensão deve ser excepcional
Em evento da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual (ABPI), em julho de 2025, o desembargador federal André Fontes defendeu que extensões devem ser proporcionais e não automáticas, alinhando-se ao entendimento do STF. Segundo ele, a previsibilidade é essencial para que o sistema de patentes continue incentivando a inovação, sem distorções.
Debate interno: entre inovação e acesso
O tema também divide o setor produtivo nacional. A Interfarma alerta que a instabilidade jurídica pode desestimular investimentos e afastar o Brasil do radar da inovação global. Por outro lado, a FarmaBrasil defende que prazos mais curtos favorecem o mercado de genéricos e ampliam o acesso da população a medicamentos via SUS.
Tensão geopolítica e cenário comercial
O pano de fundo é mais amplo. A investigação do USTR ocorre após o Brasil anunciar, em julho, estudos para medidas de reciprocidade contra tarifas de 50% dos EUA, vigentes desde o governo Trump. Algumas propostas no Congresso sugeriram suspender patentes americanas, mas o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, descartou a medida, indicando preferência por soluções diplomáticas.
Consequências e próximos passos
Audiências públicas nos EUA estão previstas para setembro de 2025, podendo resultar em sanções comerciais. O Brasil aposta na modernização do INPI e no diálogo multilateral para evitar contenciosos e defender sua política de acesso a medicamentos, considerada estratégica para a soberania nacional.
Tópico analítico: Patentes, poder e a guerra velada entre EUA e Brasil
O embate entre EUA e Brasil vai além dos prazos técnicos: trata-se de uma disputa estratégica sobre o controle dos fluxos de inovação no século XXI. Os EUA atuam como guardião global da previsibilidade jurídica, quando é de seu interesse, enquanto o Brasil tenta manter autonomia regulatória e acesso público à saúde.
Casos similares já ocorreram com Índia e África do Sul. O dilema ético permanece: de um lado, o monopólio da inovação; de outro, o direito coletivo à saúde. Em termos simbólicos, é a tensão entre Prometeu (o conhecimento capturado) e Epimeteu (a distribuição justa).
Conclusão: inovação com soberania
A acusação dos EUA revela um desafio estrutural: como acelerar o exame de patentes sem comprometer a soberania nem o acesso público à saúde. As alegações de má-fé por parte do Brasil carecem de evidência — inclusive porque a própria indústria nacional também sofre com os atrasos.
O Brasil tem adotado medidas reais para modernizar o INPI e precisa equilibrar esse esforço com segurança jurídica e política industrial inclusiva. O fortalecimento institucional pode beneficiar multinacionais, mas também startups, universidades e laboratórios públicos, que continuam inovando mesmo diante das limitações atuais.