Game of Thrones: George R. R. Martin x IA

Todo mundo tem sua própria guerra…

Do reino de Westeros ao tribunal federal de Nova Iorque: como George R. R. Martin se tornou símbolo da disputa global sobre IA generativa e direitos autorais.


Um Duelo de Fogo: Autores versus Algoritmos

Há algo no ar que lembra o crepitar de dragões — mas não daqueles que se acendem em gelo e fogo.
Trata-se de um outro tipo de chama: a que arde entre o humano e o algoritmo, entre os novos e os antigos modelos de produção literária.

No centro desse confronto está George R. R. Martin, autor da saga A Song of Ice and Fire, agora protagonista de uma batalha que pode ajudar a redefinir o que significa escrever e ser autor no século XXI.


A Acusação: “Shadow Libraries”, Cópia e Treino

Em setembro de 2023, a Authors Guild, ao lado de autores como Martin, John Grisham e Jodi Picoult, moveu uma ação coletiva contra a OpenAI, alegando que o ChatGPT e outros modelos foram treinados com livros protegidos por direitos autorais, obtidos ilegalmente em “Shadow Libraries” — repositórios piratas de obras literárias.

Segundo a petição, os algoritmos não apenas consumiram obras sem autorização, como também produziram textos que se assemelham a “resumos-sombra”, continuações e outras imitações estilísticas — o que pode configurar infração de direitos autorais.


A Virada Judicial: Algoritmo Sofre um Revés

Em outubro de 2025, o juiz federal Sidney Stein (SDNY) negou o pedido da OpenAI para arquivar o caso.
O tribunal entendeu que as alegações dos autores — de que o modelo teria gerado conteúdos derivados indevidos — são juridicamente relevantes e merecem instrução.

Ou seja, os autores conquistaram o direito de continuar a guerra.
Não é uma vitória final talvez seja apenas no fim do começo, mas, ainda assim, é um precedente importante: Um importante Tribunal reconhecendo que modelos generativos podem ser responsabilizados por outputs infratores.

O livro — essa invenção milenar — ainda pesa no tribunal.


O Caso Sob a Ótica da Lei de Direitos Autorais
Lei 9.610/98 – LDA

a) Obra protegida e autor
No Brasil, a Constituição Federal (art. 5.º, XXVII) e a Lei 9.610/98 (LDA) protegem integralmente a autoria.
Toda obra literária possui direitos morais e patrimoniais, independentemente de registro.
Usar trechos de livros para treinar IA sem licença pode configurar reprodução não autorizada (art. 29) e violação moral (art. 24).

b) Treinamento de IA com obras protegidas
Embora a LDA não mencione IA, sua lógica se aplica.
Alimentar modelos com livros é ato de reprodução comercial, que exige autorização.
O Brasil não adota o “fair use”, uso justo, americano: aqui vigora o modelo francês, com exceções estritas (art. 46) que não contemplam o treino de algoritmos.

c) Derivativos e concorrência
Gerar uma “continuação de Game of Thrones” por IA, sem autorização de Martin, violaria o direito de adaptação (art. 29, II, III e IV) e o direito de integridade da obra (art. 24, IV).
Se houver exploração econômica, pode configurar concorrência desleal.

d) Lacunas e riscos
A LDA carece de norma específica sobre o uso de obras em modelos de IA.
Isso exige cautela contratual e vigilância judicial.
Editoras e plataformas já começam a incluir cláusulas sobre “licença para uso em treinamento de IA”, indicando um futuro de muitos contratos e litigios.


O Que a Real Guerra dos Tronos Ensina

O conflito entre Martin e a OpenAI é um sintoma e um símbolo: a luta entre a criação humana e a geração automática, que decide questões de cultura, soft power e royalties — ou, se preferir, de identidade, poder e dinheiro.

No Brasil, a LDA oferece proteção, mas não resposta pronta.
A legislação e jurisprudência precisam evoluir de modo autônomo, sem esperar as soluções estrangeiras.
Em uma cultura legalista como é a brasileira, o atraso na resposta jurídica representa atraso na produção cultural, colocando, mais uma vez, o país na belinda de um importante e trilhonário mercado.

O debate sobre direitos autorais na era da IA não é opcional — é urgente.
Seja em Westeros ou nos tribunais, a guerra continua.
E o próximo capítulo ainda não foi escrito.

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