Breaking Pharma: patentes, pílulas e poder no Brasil

De prorrogações relâmpago a quedas na Bolsa, passando por farmácias em cada esquina: o setor farmacêutico virou roteiro de série — com Canetas para Obesidade, CMED e Mercado Livre disputando papel de protagonista.

Setembro de 2025 entrou para a história da indústria farmacêutica brasileira como um mês de “temporada especial”. Uma liminar ampliou a patente de uma molécula bilionária usada na famosa Caneta para Obesidade; uma semana depois, um desembargador derrubou tudo. A CMED voltou ao centro da polêmica sobre preços. E o Mercado Livre comprou uma farmácia em São Paulo para vender remédio com jaleco digital. Tudo isso em um mercado que movimentou R$ 220,9 bilhões em 2024, segundo a IQVIA.


Episódio 1: a patente que não queria acabar

  • 1º.set.2025 — o juiz federal Bruno Anderson Santos da Silva prorrogou a patente da liraglutida (Victoza/Saxenda) por 8 anos, 5 meses e 1 dia, culpando a demora do INPI, que demorou cerca de 13 anos para conceder a patente.
  • 8.set.2025 — o desembargador Flávio Jardim (TRF-1) suspendeu a decisão: Extensão poderia manter preços monopolistas e prejudicar consumidores e SUS, afinal, “dura lex, sed lex”.

Esse vaivém reviveu o julgamento da ADI 5.529 (STF, 2021), que derrubou a prorrogação automática de patentes. Desde então, cada caso virou episódio à parte. A questão é: estamos protegendo a inovação ou apenas alongando monopólios?
Veja mais sobre isso em https://rubensbaptista.adv.br/patentes-expirando-agitacao-no-mercado-de-genericos-no-brasil-ate-2030/


Episódio 2: farmácias everywhere

O Brasil tem hoje cerca de 90 mil farmácias (CFF) — e em 2024 foram abertas 22 por dia. Em grandes cidades, chegam a competir a menos de 200 metros uma da outra.

No varejo, as vendas passaram de R$ 220,9 bi em 2024. Nas grandes redes (Abrafarma), o faturamento foi de R$ 103,1 bi.

Na indústria, empresas de capital nacional respondem por 51% do faturamento e 81% das unidades vendidas, mas quem lucra mais em medicamentos de alto valor agregado ainda são as multinacionais.

É o clássico dilema: muito balcão, pouco espaço. Saturação à vista.


Episódio 3: Mercado Livre veste o jaleco, afinal, Oceanos Vermelhos atraem Tubarões.

Sim, imaginar que Oceanos Vermelhos são evitados é um erro. Em setembro, o Mercado Livre anunciou a compra da farmácia Target/Cuidamos Farma (Memed), no Jabaquara/SP. Motivo: cumprir exigências legais (farmacêutico, estoque) e usar a loja como hub de distribuição.

O efeito foi imediato: ações da RD Saúde (Raia Drogasil) caíram quase 7% em um dia; Pague Menos e Panvel também recuaram.

O temor? Que um clique vire concorrência desleal. Afinal, quem compra tênis, livro e faz supermercado, podendo colocar o remédio no mesmo carrinho, tende a não voltar para o balcão da esquina.


Episódio 4: CMED, a vilã ou heroína?

A CMED, órgão que regula preços, está sob fogo cruzado.

  • Indústria: acusa de multas milionárias (até R$ 15 mi) por falhas formais.
  • Consumidor: diz que não sente o remédio ficar mais barato, aliás, a queixas vão no sentido contrário disso.

Conclusão: todos reclamam. E sem previsibilidade, sobra insegurança para o setor, e incerteza no bolso do paciente, que é justificada, afinal, a corda sempre costuma quebrar do lado mais fraco.


Episódio 5: Perguntas incômodas

Dependência crescente de medicamentos?

Sim. O gasto do SUS com medicamentos saltou de R$ 14,3 bi (2010) para R$ 18,2 bi (2016). Em 2021, aquisições federais chegaram a R$ 25 bi.
No varejo, as vendas atingiram R$ 220,9 bi em 2024 (IQVIA/Abradilan). Genéricos cresceram 7,04% em 2025, acima da média.

Quantas patentes vêm “de casa”?

Poucas. Apenas 7% dos pedidos (2011–2020) eram de origem nacional; 81% desses de universidades e institutos públicos. Em 2018, 92,4% das patentes concedidas eram estrangeiras.

Dá para competir com Índia e China?

Não. O Brasil importa 90% dos insumos farmacêuticos ativos (IFAs). A China produz 44% do total global; a Índia é responsável por 20% dos genéricos e 60% das vacinas do mundo. O Brasil regrediu de quase autossuficiente nos anos 1980 para apenas 5–10% de produção própria. Nem mesmo os EUA, que teoricamente ainda podem, continuam a acreditar em seu antigo modelo, o que se pode dizer do Brasil que nunca pôde. As lições da pandemia parecem ter sido esquecidas.


Efervescência e incerteza em um mercado de vida e morte

O setor farmacêutico brasileiro virou série: patentes que vão e voltam, farmácias em cada esquina, reguladores que multam, mas têm falhado em reduzir preços e gigantes digitais de olho no balcão.

No fim de Breaking Bad, Walter White morre no laboratório que construiu, vítima da própria obsessão. Jesse foge, livre, mas marcado. No Breaking Pharma brasileiro, a lógica se repete:

Patentes prorrogadas podem até sustentar impérios por um tempo, mas acabam corroídas pela Justiça e pela pressão social — lembre-se da licença compulsória.

O consumidor, como Jesse, encontra alguma liberdade com genéricos e regulação, mas, como ele, não sai ileso: paga caro, depende cada vez mais do remédio e, num mundo de alimentação ultraprocessada, vive no cativeiro das doenças crônicas.

O setor, cercado de máquinas e processos, corre o risco de repetir o destino de Walter: morrer abraçado ao próprio laboratório, o que, em um país deficitário em P&D, não é coisa difícil de imaginar. É só pensar em uma abertura de mercado.

No fim, como na série, fica a lição: escolhas têm consequências. Ainda há tempo para repensar o setor e buscar resultados melhores.

O equilíbrio entre inovação, sistemas de proteção, concorrência e acesso será o plot twist decisivo.

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