DUPES — produtos inspirados em marcas famosas — estão redefinindo os limites entre inspiração, imitação e infração. De perfumes a cosméticos, de bolsas a designs industriais, a fronteira entre o legítimo e o ilícito nunca foi tão estreita. desafio jurídico e cultural da era em que o desejo virou replicável
O que é DUPE?
O termo DUPE vem de duplicate, “duplicado”. No mercado contemporâneo, descreve produtos inspirados em itens de alto valor, geralmente de luxo, que reproduzem a estética, o formato ou a sensação do original, mas sem usar seu nome ou marca registrada.
O DUPE não mente, não diz ser o original, mas, também não é inocente: vive da lembrança que desperta. Oferece a experiencia do produto duplicado por um preço acessível a um número maior de pessoas.
Trata-se, na essência, de uma operação simbólica, vender a sensação de exclusividade sem precisar ser exclusivo. E é nesse ponto que o fenômeno se torna fascinante e perigoso ao mesmo tempo: quanto mais parecido, mais desejado; quanto mais acessível, mais ameaçador para quem criou o original.
A lei cria a escassez. A escassez gera o desejo. O desejo infla o preço e o preço atrai o instinto predador do mercado. Como sangue na água, os predadores percebem a oportunidade e avançam.
Esses ciclos se repetem com precisão quase natural: primeiro vêm os vintages, depois as releituras, e, antes do dupe, o fenômeno das homage, versões que alegam prestar tributo, e não desafio.
O Dupe não presta homenagem, não celebra o original, compete com ele, quase uma visão socialista do capitalismo, distribuindo a experiência do luxo a quem, normalmente, não teria acesso a ele. Mas, será que com isso, também não está matando o desejo?
DUPES × HOMAGES: QUANDO A INSPIRAÇÃO GANHA INTENÇÃO
Nem toda semelhança nasce do mesmo gesto. Há quem copie para vender, e há quem se inspire para pensar. Entre esses dois movimentos — o da reprodução e o da reverência — existe um abismo moral e jurídico que separa o dupe do homage.
O dupe é pragmático.
Não quer dialogar com o original, quer substituí-lo. Oferece ao público a sensação de possuir o que não pode ter, transformando desejo em mercadoria. Vive da sombra projetada por outra marca e da lembrança que ela construiu. Seu impulso é comercial, encurta o caminho entre o sonho e a compra e, muitas vezes, o consumidor, atraído apenas pelo design ou pela fragrância, adquire o produto se sequer saber se tratar de um DUPE.
O homage, por outro lado, nasce de reconhecimento.
Pode ser visto como um gesto de gratidão e diálogo ou como a mais descara das cópias. Na arte, no design, no cinema ou na moda, o homage é uma resposta criativa, não copia, mas conversa. Não pretende substituir o original, mas expandir seu eco no tempo. Se copia, não conversa, é contrafação travestida de homenagem.
O dupe imita para capturar; o homage recria para homenagear. Ambas nascem da admiração, mas, apenas uma sobrevive à prova do tempo.
O Fenômeno
Um perfume de R$ 1.200 tem um “gêmeo” de R$ 89 que viraliza no TikTok. Um batom de luxo é recriado por pequenas marcas em semanas. Uma bolsa icônica ganha versões quase idênticas nas vitrines virtuais.
Os dupes são o reflexo da nova economia do desejo. O consumidor não busca apenas o objeto, mas o significado social que ele carrega. Quer pertencer ao mesmo universo simbólico, ainda que por vias paralelas, como se a capa amarrada ao pescoço lhe permitisse voar.
As redes sociais transformaram esse comportamento em fenômeno global: um produto viraliza, e em poucos dias surgem versões “inspiradas” prometendo “a mesma experiência” por uma fração do preço.
O desejo se espalha como informação, e a exclusividade evapora. O que antes era privilégio, agora é formato. Um dos problemas disso, no entanto, é a “Memória Imperfeita” do consumidor.
A “Memória Imperfeita” do Consumidor
A ideia de “Memória Imperfeita” do Consumidor é amplamente utilizada na Europa e nasce de uma premissa psicológica: o consumidor não compara produtos lado a lado.
Ele decide com base em uma lembrança difusa, parcial e emocional.
Essa memória imperfeita explica por que semelhanças sutis, um frasco, uma cor, um gesto gráfico podem bastar para gerar confusão. O dupe vive exatamente nesse território: parece o bastante para ser lembrado, mas não o suficiente para ser acusado.
Isso pode ser um problema se consideramos, por exemplo, produtos de prateleira, quando o consumidor leva poucos segundos em sua escolha que, normalmente se dá ao nível dos olhos.
A confusão, portanto, não nasce da cópia literal, mas da lembrança evocada. E é nessa penumbra, entre recordação e engano, que floresce a zona cinzenta da imitação moderna.
O Tempo, Ele Sempre Decide
O sucesso dos dupes também depende do tempo. Eles surgem na janela entre o ineditismo e a saturação, o instante em que um produto original ainda é símbolo, mas já virou tendência.
O produto sênior cria o desejo; o produto júnior o multiplica. Enquanto o primeiro sustenta o prestígio, o segundo capitaliza a curiosidade. A oportunidade de muitos consumidores se traduz em erosão para as marcas sêniores, pois, com a banalização muito da ideia de luxo perde significado e o valor.
Degeneração e diluição: o preço da semelhança. Por quem os sinos dobram?
Benchmarketing, Inspiração e Limites Jurídicos
Inspirar-se é legítimo. Copiar nem sempre é crime. Existe um enorme território de aprendizado competitivo, onde a linha entre imitação e a contrafação é bastante tênue, até porque, observar, comparar e adaptar sempre foi uma prática saudável e necessária.
Mas quando ultrapassa o limite da observação e inspiração, passando a reproduzir a identidade alheia, surge a concorrência desleal. A Lei da Propriedade Industrial (art. 195) proíbe o uso de sinais ou embalagens capazes de causar confusão.
O desafio do direito contemporâneo é distinguir o que é inspiração legítima do que é apropriação indevida e, no meio disso, lidar com algo ainda mais complexo: o valor simbólico do estilo.
Estilo Não é Cópia — Mas Tem Limite
A estética, isoladamente, não é protegida por lei. O que se protege é a expressão formal e concreta, o design registrado, o sinal distintivo. Mas quando um estilo se torna identidade reconhecível, a simples imitação pode diluir o sentido da marca.
O estilo é livre, mas, o símbolo é propriedade. E quando o estilo é o símbolo, como pudemos verificar no “caso Louboutin” — sapatos femininos com solado vermelho — a distinção jurídica torna-se quase filosófica: até onde vai a inspiração antes de se tornar apropriação?
Casos e Repercussões
O debate sobre os dupes já ocupa tribunais e agências de regulação. Na Europa, decisões recentes consolidaram a ideia de que semelhanças sutis podem confundir o público. O princípio da memória imperfeita ganhou força: a confusão nasce da associação, não da comparação.
Na França, autoridades de consumo passaram a fiscalizar a venda de perfumes “inspirados” em fragrâncias de luxo. As investigações apontam práticas de concorrência desleal e publicidade enganosa, com apreensões e multas em diversos estabelecimentos. O objetivo é proteger não apenas as marcas, mas a própria lealdade do mercado.
Em Portugal, uma disputa simbólica: uma marca valenciana com logotipo de réptil venceu ação movida pela Lacoste. O tribunal europeu entendeu que o público não seria levado à confusão direta, reafirmando que a análise depende da percepção global do consumidor médio — e não de uma comparação milimétrica.
No Brasil, o tema ganha força nos setores de cosméticos, moda e design. O Judiciário tem reconhecido a imitação estética como ato de concorrência desleal quando há proveito indevido do prestígio de marcas consolidadas. Em alguns casos, houve condenações e proibições de uso de embalagens semelhantes.
Por outro lado, tribunais também têm lembrado que nem toda semelhança é ilícita: se o formato ou a cor são comuns a todo o setor, não há infração.
O Algoritmo Não Distingue Autoria — Só Popularidade.
O consumo contemporâneo é mediado por telas, filtros e algoritmos. Os dupes prosperam nesse ambiente, onde a imitação é uma forma de conteúdo. Eles nascem nos vídeos curtos, nas comparações “versão cara x versão barata”, nos rankings de influenciadores que reduzem o prestígio a métricas de engajamento.
Hoje, a distinção de uma marca é tão forte quanto seu reconhecimento digital. E a batalha pela originalidade acontece não mais nas prateleiras, mas nos feeds. O algoritmo não distingue autoria — só popularidade. Por isso, proteger uma marca é também proteger sua narrativa.
Cuidados estratégicos para marcas e empreendedores
A era dos dupes exige das empresas um olhar duplo: jurídico e simbólico. Proteger é registrar, mas também comunicar.
- Registrar o que é distintivo – marca, design, embalagem, forma.
- Monitorar o digital – o dupe nasce nas redes, não nas fábricas.
- Reforçar autenticidade – o valor da marca é o que não pode ser copiado.
- Evitar confusão proposital – para quem cria produtos inspirados, clareza é defesa.
- Inovar continuamente – exclusividade é movimento, não estado.
- Educar o público – o original também precisa se explicar.
O consumidor informado é o maior aliado da autenticidade.
O Valor do Original, Mas, O Que é Original?
Os dupes são um espelho de nossos tempos. Refletem a pressa, a ambiguidade e a ânsia por pertencimento de uma cultura que deseja ser única enquanto reproduz o que já existe.
Eles democratizam o estilo, mas diluem o significado. E obrigam o Direito, o design e o mercado a repensar o que realmente significa ser original, nesse mundo de constante releituras, onde, até mesmo o Futurista parece familiar. Proteger uma marca é proteger uma ideia que, além do registro, exige coerência, narrativa e propósito.
No fim, o verdadeiro luxo não é o preço, é ser inconfundível, mesmo quando todos tentam te copiar.

