DOM PEDRO II, NETFLIX E O OCTÓGONO: Por que o SOFT POWER brasileiro ainda não entendeu a própria força


O mundo inteiro sabe quem somos — às vezes, melhor do que nós mesmos. Do samba à bossa nova, das novelas aos streamings, da capoeira ao UFC, do futebol à Fórmula 1, o Brasil construiu um dos portfólios de SOFT POWER mais poderosos do planeta. A ironia é que isso aconteceu quase sempre apesar do Estado, não por causa dele. Enquanto a economia da cultura já supera setores tradicionais e a indústria criativa ampliada alcança 3,59% do PIB, o Brasil ainda trata CULTURA como gasto supérfluo e segue travado em debates ideológicos estéreis. Este artigo é um convite incômodo: entender como a ACULTURAÇÃO sempre foi poder, como Dom Pedro II já jogava esse jogo no século XIX e por que, em 2025, seguimos exportando encanto sem estratégia.


QUANDO O “SOFT POWER” AINDA SE CHAMAVA “CIVILIZAÇÃO”

O SOFT POWER molda seu modo de vestir, pensar, trabalhar e até amar. Mas afinal, o que é SOFT POWER?

SOFT POWER é influenciar pela atração — cultura, valores, imagem, arte, entretenimento, ideias.
HARD POWER é influenciar pela força — exército, sanções, pressão militar e política.

Nenhum país sério usa apenas um. Os vencedores combinam os dois.

Antes de virar conceito acadêmico, o que hoje chamamos de SOFT POWER atendia por nomes como civilização, missão cultural ou prestígio. Gregos, romanos, Igreja Católica, impérios coloniais, França, Inglaterra, EUA, Japão, China e Coreia sempre entenderam que quem domina o IMAGINÁRIO domina o REAL.

A calça jeans que você usa? SOFT POWER puro. Aliás, note quantas palavras em inglês são utilizadas nesse artigo e são lidas com naturalidade, quase como se fossem em nosso idioma nativo. Pois é…

QUEM DEFINE A NARRATIVA, DEFINE O JOGO — E DEFINE SUAS REGRAS.


DOM PEDRO II: O IMPERADOR QUE JÁ ENTENDIA O JOGO

No século XIX, Dom Pedro II praticava o que hoje chamaríamos de estratégia cultural:

  • frequentava bibliotecas europeias,
  • financiava cientistas, fotógrafos e linguistas,
  • mantinha correspondência com Victor Hugo e Pasteur,
  • apoiava missões científicas,
  • criou na prática o primeiro programa brasileiro de bolsas no exterior.

Ele transformou o Brasil em curiosidade respeitada: um império tropical que LIA, PENSAVA, PESQUISAVA e INOVAVA.

A República, com crises sucessivas e improvisos administrativos, abandonou o BRANDING DO BRASIL. O exemplo mais gritante é a Embratur, que reduziu o país a cartazes de apelo sexual mundo afora — um dano simbólico que pagamos até hoje.


A FÁBRICA INVISÍVEL DO ENCANTAMENTO BRASILEIRO

Literatura

Machado, Clarice, Jorge Amado, Drummond. Traduções, universidades, debates. O Brasil é protagonista na literatura comparada.

Música

Do SAMBA à BOSSA, da TROPICÁLIA ao FUNK:

  • “Garota de Ipanema” é uma das canções mais regravadas da história;
  • o jazz absorveu a harmonia brasileira;
  • funk e pisadinha entraram no circuito global;
  • DJs internacionais incorporam “DNA brasileiro”.

O Brasil atravessa fronteiras sem pedir carona.

Novelas & Streaming

Décadas de novelas exportadas para mais de 100 países moldaram um “Brasil imaginário” em vários continentes. Agora o streaming coloca séries brasileiras lado a lado com espanholas, coreanas e mexicanas.

Capoeira, Jiu-Jítsu & MMA

Capoeira virou patrimônio mundial. O Jiu-Jítsu Brasileiro virou franquia internacional. O UFC teve hegemonia brasileira por mais de uma década.

Futebol & Fórmula 1

Pelé, 1970, Senna, Piquet, Fittipaldi. Tecnologia, coragem, carisma — SOFT POWER puro.


QUANTO VALE ESSA BRINCADEIRA?

Soft power não é glamour. É economia real.

  • ECIC: R$ 230,14 bi (3,11% do PIB).
  • Indústria Criativa Ampliada: R$ 393,3 bi (3,59% do PIB).
  • Milhões de trabalhadores somando formal + informal.

CULTURA NÃO É LUXO. É INFRAESTRUTURA DE DESENVOLVIMENTO.


LEI ROUANET: ENTRE O BODE EXPIATÓRIO E O MOTOR

A guerra ideológica distorceu tudo. Os dados reais:

  • cada R$ 1 investido gerou R$ 1,59 na economia,
  • renúncia acumulada: R$ 31 bi,
  • impacto total: mais de R$ 49 bi,
  • 2024: recorde de captação com R$ 2,4 bi.

Houve escândalos? Sim — cerca de R$ 180 milhões. O problema não foi a LEI, foi a governança. Houve também problemas com merendas, hospitais e até com a polícia, mas, ninguém cogitou por fim a estes serviços. Governança séria e destinação àquilo que gerará divisas e não simples e rasa crítica social.

O debate real deveria ser: como transformar a Rouanet em ferramenta de internacionalização e geração de riqueza?


DIREITOS AUTORAIS, PI E TRATADOS: O BACK-END DO SOFT POWER

Não existe cultura forte sem jurisdição forte.

A Convenção de Berna (1886) protege criadores automaticamente. O TRIPS incorporou PI ao comércio global.

Sem Propriedade Industrial, perdem-se:

  • marcas de produtoras, clubes, academias, artistas;
  • desenhos industriais icônicos;
  • patentes tecnológicas audiovisuais e digitais.

O retorno do SOFT POWER só existe quando a PI tranca a porta da monetização.


O QUE OUTROS PAÍSES JÁ FIZERAM — E O BRASIL NÃO

Estados Unidos

Hollywood, música, universidades, Big Tech, moda, intercâmbios.

Japão – COOL JAPAN

Anime, mangá, moda, gastronomia e turismo como política externa.

Coreia – HALLYU

Exportou US$ 12,4 bi em cultura em 2021. K-POP, K-DRAMA e K-GAMES como instrumentos oficiais de poder.

Isso se chama ESTRATÉGIA: conquistar sem dar um único tiro.


O “BUG” BRASILEIRO: POTÊNCIA CULTURAL, GESTÃO MODESTA

No GLOBAL SOFT POWER INDEX 2024/2025:

  • 31º lugar geral,
  • líder da América Latina,
  • 15º em Cultura & Patrimônio,
  • destaque em Esportes e Diversão.

O mundo já entendeu: somos uma superpotência cultural. Quem ainda não entendeu é o próprio Brasil.


OS RISCOS DE EXPORTAR SEM ESTRATÉGIA

Softpower sem política pública gera:

  • estereótipos preguiçosos,
  • exotização da pobreza,
  • apropriação cultural sem retorno,
  • “soft power tóxico” que mascara desigualdades.

Exportar cultura sem estratégia é exportar valor sem capturar riqueza, transformando a imagem do país em uma miserável caricatura, que não rende admiração, respeito ou mesmo negócios sérios. Onde o Brasil bem investiu, está muito bem, obrigado. Ou algum duvida da força do AGRO?


DO PAÍS ESPONTÂNEO AO PAÍS ESTRATÉGICO

O Brasil já tem:

  • portfólio cultural gigantesco,
  • PIB cultural robusto,
  • mecanismos de fomento,
  • reconhecimento global.

O que falta é SISTEMA:

  1. Integrar cultura, educação, PROPRIEDADE INTELECTUAL, turismo e diplomacia.
  2. Modernizar a Rouanet com transparência radical.
  3. Criar políticas que cuidem melhor da CULTURA e da DIPLOMACIA CULTURAL.
  4. Proteger e licenciar cultura no exterior.
  5. Medir anualmente o impacto do SOFT POWER brasileiro.

Temos SOFT POWER, mas não temos POWER STRATEGY.


DOM PEDRO II TINHA RAZÃO

Ao invés de usar uma camiseta estampada com “MAGNETO WAS RIGHT”, os brasileiros deveriam vestir outra: “DOM PEDRO II ESTAVA CERTO”. No século XIX, ele já entendia que livros, ciência e arte reposicionariam o Brasil no imaginário global — e entendia isso melhor os líderes que vieram depois dele.

Guilherme de Almeida olharia hoje para Oswald de Andrade com um sorriso enviesado. Se há algo que a República fez pior do que poderia, foi o incentivo à CULTURA: quando existe, vira caricatura, arma ideológica ou, pior, meio de desvio. E isso sem falarmos de EDUCAÇÃO — terreno onde paramos de patinar para afundar rapidamente.

Não se trata de defender a Monarquia nem de atacar a República. Trata-se de reconhecer que até num sistema político quase extinto houve quem compreendesse a cultura como poder, enquanto hoje ainda desperdiçamos potencial por falta de visão.

O Brasil já é uma superpotência cultural ESPONTÂNEA. O desafio é se tornar uma superpotência cultural ESTRATÉGICA.

Um país que produz tanto SENTIDO não pode continuar SEM ESTRATÉGIA.


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