INPI, Agência Reguladora e o Futuro da Propriedade Industrial no Brasil

O que está em jogo na reforma institucional do órgão responsável por patentes e marcas no país

O Instituto Nacional da Propriedade Industrial vive, neste momento, uma de suas maiores encruzilhadas institucionais desde a criação. Não se trata apenas de melhor gestão, digitalização ou redução do backlog. Trata-se de algo mais profundo: uma proposta de transformação jurídica do INPI em uma Agência Reguladora, com maior autonomia administrativa, técnica e financeira. A ideia, discutida publicamente, já tem desdobramentos concretos.

O INPI formou, pela Portaria de Pessoal nº 155, de 30 de agosto de 2024, um grupo de trabalho interno para estudar o redesenho institucional, prever ajustes estruturais e articular com entidades do setor de Propriedade Intelectual.

Neste debate, há defensores, críticos e uma ansiedade natural de quem atua no ecossistema de PI: advogados, empresas, universidades, núcleos de inovação tecnológica, inventores e servidores do próprio órgão. Neste cenário, é necessário clareza conceitual e visão comparada com os grandes escritórios internacionais.


O que é, afinal, uma Agência Reguladora?

Agências reguladoras são estruturas da Administração Pública indireta, normalmente organizadas como autarquias especiais, dotadas de graus mais altos de autonomia técnica, administrativa e financeira.

Sua missão clássica é regular setores economicamente relevantes, emitindo normas, fiscalizando condutas e garantindo equilíbrio entre execução privada e interesse público.

Energia, telecom, recursos hídricos e saúde suplementar são exemplos típicos de áreas que ganharam agências com poder normativo especializado. É preciso olhar para elas e fazer uma reflexão profunda sobre o INPI, responsável pela concessão de muitos dos títulos de propriedade mais valiosos do país.


As vantagens apontadas pelos defensores da reforma

Os argumentos favoráveis convergem em três eixos principais:

  1. Autonomia Orçamentária
    Hoje o INPI arrecada valores expressivos com taxas, mas não pode aplicar a maior parte no próprio órgão. Ser agência poderia permitir retenção direta dos recursos, devolvendo ao sistema aquilo que o próprio sistema gera.
  2. Gestão Técnica Estável
    Mandatos fixos, planejamento contínuo e menor dependência de ciclos políticos podem melhorar decisões técnicas e reduzir interferências.
  3. Capacidade de Investimento
    Quem analisa marcas, patentes e contratos tecnológicos precisa de TI de última geração, inteligência artificial aplicada ao exame e quadro técnico robusto. Com autonomia financeira, o INPI poderia investir de forma rápida e contínua, sem travas orçamentárias. Hoje o INPI arrecada mais de R$1 bi por ano.

As desvantagens e perigos: o outro lado da moeda

Mas a transformação não é isenta de riscos. E eles não são pequenos:

  1. Captura Regulatória
    O setor de Propriedade Industrial é sensível. Pressões internacionais, especialmente de grandes conglomerados farmacêuticos, biotecnológicos e de TI, podem buscar influência direta sobre normas e procedimentos. A autonomia só funciona se houver blindagem robusta contra lobby e preservação real da independência técnica.
  2. Desvio de Função
    Escritórios de patentes e marcas no mundo não atuam como reguladores econômicos clássicos, nem como agências de mercado. Sua missão primária é examinar, conceder e manter direitos de PI. O modelo de agência pode induzir uma lógica regulatória excessiva, inflada, burocrática e distante da natureza jurídica da Propriedade Industrial.
  3. Risco à Qualidade dos Exames
    Pressão por metas, produtividade e aceleração pode levar a decisões apressadas ou tecnicamente frágeis. E PI exige precisão. Uma patente mal concedida distorce mercados, inibe concorrência e contamina litígios. Tempus fugit sed festina lente — o tempo foge, mas, a pressa deve ser calma.
  4. Insegurança Interna para Servidores
    A transição institucional preocupa quem está dentro. Os servidores temem, justificadamente, perda de prerrogativas, reorganização intempestiva, terceirização de atividades e enfraquecimento técnico do corpo examinador. Para os técnicos, o modelo de agência só faz sentido se vier com fortalecimento de carreira, remuneração compatível, ambiente de excelência técnica e independência real.

Marcas e Patentes: o contraste gritante

O INPI tem demonstrado evolução relevante nos prazos de registro de marcas, hoje compatíveis com os padrões internacionais. É um avanço inegável.

Mas, quando olhamos para patentes, a fotografia muda: o backlog é persistente, profundo e com impacto direto na economia da inovação, na segurança jurídica e na competitividade industrial.

Backlog de patente não se resolve com terceirização nem com exame superficial. Patente é instrumento de poder econômico e tecnológico.

Uma carta patente pede rigor técnico para sua concessão, o que exige quadro técnico valorizado, formação permanente, autonomia para investir, retenção dos recursos das próprias taxas, gerência rigorosa e blindagem total do órgão que, com uma única concessão, pode construir ou destruir fortunas.


Como operam os grandes escritórios internacionais: USPTO, EPO e JPO

Quando examinamos os modelos consolidados — Estados Unidos (USPTO), Europa (EPO) e Japão (JPO) — verificamos que nenhum deles atua como agência reguladora setorial nos moldes de ANEEL, ANATEL ou ANP. Todos, porém, possuem alta autonomia administrativa e financeira, operando com base principalmente nas taxas cobradas do sistema.

O que faz o USPTO, o EPO e o JPO serem referências não é o formato de agência reguladora econômica, mas sim a liberdade institucional para gerir recursos, investir e manter excelência técnica.

O modelo institucional brasileiro é diverso, mas é importante observar como países que lucram tanto com PI têm resolvido essa questão.


Talvez o INPI não precise se tornar a ANEEL da PI

A experiência internacional sugere que o fortalecimento de um escritório de Propriedade Industrial não depende, necessariamente, de transformá-lo em agência reguladora econômica. Nos modelos do USPTO, EPO e JPO, o que gera eficiência, previsibilidade e qualidade técnica é a autonomia administrativa e financeira plena: retenção das receitas, valorização das carreiras, estabilidade institucional, digitalização contínua e compromisso efetivo com a excelência do exame.

Em todos esses casos, a independência operacional foi alcançada sem alteração radical da natureza jurídica para formatos típicos de regulação setorial. Por isso, talvez o ponto central não seja “virar a ANEEL da PI”, mas sim assegurar ao INPI o mesmo grau de autonomia institucional que os principais escritórios do mundo já possuem.

O Brasil precisa de um INPI forte, técnico, seguro e autônomo, capaz de examinar marcas, patentes, desenhos industriais e contratos de tecnologia com profundidade, rigor jurídico e visão estratégica. E, para isso, não é pré-requisito transformá-lo em agência reguladora: é imprescindível dotá-lo da liberdade institucional e dos meios necessários para cumprir sua missão com excelência.

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