O que Adele, o ex-baixista do Pixies e a Gafisa têm em comum?

Todos já foram acusados de plágio. E não foram os únicos.

O termo “plágio” não é exatamente novo no vocabulário jurídico, mas tem ganhado contornos cada vez mais sofisticados, litigiosos e, por vezes, quase cômicos. O que une a diva do pop britânico Adele, a ex-baixista do Pixies e a Gafisa — sim, a construtora — não é um feat. musical ou uma parceria imobiliária. É algo mais mundano: a acusação de plágio. De melodias a fachadas, de roteiros a dissertações, a apropriação indevida de obras intelectuais virou protagonista nos tribunais e nos trendings. Em um mundo em que quase tudo já foi dito, filmado, tocado ou programado, a pergunta que sobra é: onde termina a inspiração e começa o crime?


Quando o samba encontra o soul britânico

Em dezembro de 2024, Adele foi atingida por um samba atravessado: a Justiça brasileira mandou retirar sua música Million Years Ago das plataformas digitais. Motivo? Similaridade desconcertante com Mulheres, samba consagrado por Martinho da Vila e composto por Toninho Geraes. Alguns laudos técnicos anexados ao processo apontaram “paralelismo melódico incontestável“. Um eufemismo elegante para “parece demais para ser coincidência”.

A decisão foi inédita e repercutiu no mercado fonográfico global. A música chegou a ser removida por algumas semanas, e especialistas passaram a debater não só a melodia, mas os limites da proteção autoral em escala internacional. Em maio de 2025, o TJ-RJ suspendeu a liminar e a faixa voltou a tocar. O caso segue, com pedidos de coautoria e uma indenização milhorária.

E não parou por aí. Em agosto de 2025, Paz Lenchantin, ex-Pixies, lançou Hang Tough, e ouviu de volta um sonoro Cálice. Gilberto Gil e Chico Buarque acusaram a baixista de ter “revisitado demais” seu hino censurado de 1973. Flora Gil foi às redes e não economizou: a melodia seria “praticamente idêntica“. Ainda não há processo formal, mas as notificações extrajudiciais já aconteceram.


Fachadas e letras que se confundem

A Gafisa, tradicional nome do mercado imobiliário, está no centro de uma polêmica digna de novela das nove. O grupo chinês responsável pelo hotel Rosewood, no complexo Cidade Matarazzo, acusa a construtora de ter clonado a identidade visual do projeto — da tipografia ao uso da letra “M” estilizada.

De acordo com os representantes do Rosewood, não se trata de uma coincidência estética, mas de uma “reprodução sistemática de elementos visuais, gráficos e arquitetônicos que conferem unicidade ao projeto Cidade Matarazzo”. Aparentemente, caso ainda não está judicializado, mas foi alvo de reportagens em veículos especializados e acendeu o alerta no setor da arquitetura: sim, arquitetos também têm direitos autorais. E sim, eles processam.


Cinema, quadrinhos e o eterno déjà-vu criativo

No audiovisual, a fronteira entre homenagem e plágio é tão nebulosa quanto uma cena de Blade Runner. Lembra do Rei Leão? Muitos juram que o clássico da Disney é, na verdade, uma animação disfarçada de Kimba, o Leão Branco, de Osamu Tezuka.

Matrix é influenciado por Ghost in the Shell (1955), Akira (1988) e Old Boy (2003), sendo que nesse último, a estética das lutas são as mesmas, prendendo estas obras em uma relação de inspiração que beira a simbiose, porém, os Wachowski admitem inspiração, negando o plágio.

Nos quadrinhos, Greg Land virou sinônimo de “Ctrl+C + Ctrl+arte“. Acusado de traçar imagens alheias para capas da Marvel, ele reacendeu o debate: quando a referência vira réu? Uma pergunta justa, considerando os espelhamentos de personagens entre DC e Marvel e da Image Comics com a duas.

Em 2025, o webtoon Wind Breaker foi cancelado após acusações de plágio de outras séries asiáticas. E não se trata de mera coincidência: traços, enquadramentos e expressões praticamente idênticos colocaram o caso em evidência.

Os limites entre influência legítima, concorrência criativa e infração autoral continuam sendo campo minado — para advogados, artistas e profissionais de marketing, que vivem com medo do cancelamento, o vilão moderno.


Universidades: plágio não dá diploma

No meio acadêmico, o plágio não dá mais nota ou popularidade — dá cassação de título. Em 2024 e 2025, diversas universidades brasileiras anularam teses de doutorado após constatarem mais de 60% de cópia sem referência.

Ferramentas como Turnitin, CopySpider e a boa e velha leitura atenta fazem parte do cerco. Com a IA, os mecanismos estão mais rápidos e precisos, e isso tem facilitado a detecção de reescritas disfarçadas e até de “ajudas generativas” mal explicadas. Mas o melhor detector de plágio ainda é o bom senso: se você teve que apagar o nome do autor e colocar o seu, já começou errado.


Plágio no Direito: o que é e o que parece ser

A Lei 9.610/1998 protege a criação intelectual em todas as suas formas. E ela é clara: copiar é violação de direito autoral, assim como citar sem creditar. O artigo 184 do Código Penal também entra em cena, tipificando como crime o uso não autorizado de obra protegida. Ainda que a maioria dos autores prefiram a via cível, o plágio é também um dos caminhos de se perder o réu primário.

O Direito brasileiro protege tanto os direitos patrimoniais (lucro com a obra) quanto os direitos morais (reconhecimento de autoria, integridade da criação, etc.). E não, não precisa copiar um livro inteiro para ser processado. Uma ideia central, uma estrutura narrativa, um riff ou uma sequência de imagens podem bastar.


Mitos sobre plágio que insistem em viver

  • Só é plágio se copiar mais de 30%” — Errado. A lei não trabalha com percentuais.
  • Troquei as palavras, então não é plágio” — Se a ideia não é sua, é plágio sim.
  • Ideia não se protege” — Verdade parcial. O que se protege é a forma como a ideia se expressa.
  • Só se for com fins lucrativos” — Plágio sem lucro ainda é crime.

Plágio material vs. plágio ideológico: qual é pior?

Os juristas dividem o plágio em duas grandes famílias:

Plágio material é aquele bem descarado: cópia literal, sem aspas, sem fonte, sem vergonha.

Plágio ideológico é mais sofisticado: rouba a ideia, muda a roupagem e finge que foi uma coincidência genial.

Ambos são ilegais. Um é burro, o outro é cínico. Ambos dão processo.


Tipos derivados para quem quer variar o crime

  1. Plágio direto — Ctrl+C, Ctrl+V sem citar. Não tem defesa.
  2. Plágio indireto — Reescreve, mas a alma da obra ainda é de outro.
  3. Autoplágio — Cópia de si mesmo fingindo ineditismo. Ego e golpe.
  4. Plágio de fontes — Cita bibliografia alheia que nunca leu. Preguiçoso.
  5. Plágio consentido — Compra um TCC e chama de “trabalho próprio”.
  6. Plágio global — Usa um trabalho inteiro de outro. É plágio raiz.
  7. Plágio mosaico — Mistura de trechos diversos, todos sem autor.

Como evitar virar manchete (e réu)

  • Dê crédito. Sempre.
  • Não copie. Inspire-se com responsabilidade. Você vai saber a diferença.
  • Revise. O que parece original pode não ser.
  • Consulte. Se tiver dúvida, pergunte a quem entende.

Conclusão: Plágio não é homenagem. É fraude.

Quem gasta mais tempo tentando disfarçar a origem de uma ideia do que teria levado para criar algo próprio talvez precise repensar o caminho. Plágio não é um desvio inocente, como colar numa prova — até porque, sejamos francos, quem escreve uma cola elaborada muitas vezes já estudou o bastante para não precisar dela.

Plágio é fraude. E, diferente da cola escolar, que fica na lembrança ou, com sorte, na lousa do castigo, o plágio pode custar caro — muito caro. Em dinheiro, sim. Mas principalmente em reputação.

Porque no mundo do Direito Autoral, o que você publica não desaparece. A internet não esquece. E a memória coletiva, hoje, tem print, rastreio e jurisprudência.


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