PROPRIEDADE INTELECTUAL — A GARANTIA INVISÍVEL

Marcas, Patentes, Desenhos Industriais e Direitos Autorais batendo à porta do crédito. E o Brasil redescobre que inovação também é colateral. Propriedade intelectual não é apenas proteção jurídica. É ativo econômico. É garantia bancária. É lastro. É valor. Será?


O Encontro no CCBB

Nos dias 26 e 27 de novembro de 2025, sob os traços neoclássicos do CCBB/RJ, o INPI e o MDIC reuniram BNDES, ABDE, CVM, SEBRAE, OMPI/WIPO, LES Brasil e especialistas internacionais para discutir algo simples e que até parece revolucionário e inovador:

Propriedade Intelectual é Patrimônio — e Patrimônio pode financiar riqueza.

O nome do evento, “IP Finance 2025 – Valoração e Financiamento de Ativos Intangíveis”, foi uma declaração discreta e clara de que marcas, patentes, desenhos industriais, softwares e direitos autorais podem voltar a servir como garantia de crédito com mais frequência, desde que existam condições de mercado para isso.


Propriedade, e não mera proteção

Muita gente ignora o peso da expressão “Propriedade Intelectual”. O legislador não a escolheu por capricho: ao reunir esses ativos sob a rubrica de propriedade, atribuiu-lhes os elementos clássicos do domínio econômico: usar, gozar, fruir com exclusividade e perseguir quem viole o direito do titular.

E foi ainda mais explícito ao qualificá-los, para todos os efeitos legais, como bens móveis. Isso os coloca na mesma natureza de qualquer patrimônio circulável: podem ser licenciados, vendidos, cedidos, aportados em sociedades, caucionados e oferecidos como garantia em operações de crédito. A antiga Lei de Direitos Autorais, Lei n° 5.988, de 14 de dezembro de 1973, em seu artigo 2º já determinava que os direitos autorais reputam-se, para os efeitos legais, bens móveis. As leis vigente não mudaram isso:

Base legal

  • Lei da Propriedade Industrial
    Lei nº 9.279/1996 — Art. 5º: “Consideram-se bens móveis, para os efeitos legais, os direitos de propriedade industrial.”
  • Lei de Direitos Autorais
    Lei nº 9.610/1998 — Art. 3º: “Os direitos autorais reputam-se, para os efeitos legais, bens móveis.”

O Judiciário já entendeu há muito tempo

Há décadas o Judiciário admite a penhora de ativos de PI. Em 2023, as marcas da GAFISA foram penhoradas para garantir dívida com um condomínio de luxo. Em 2022, o TRF3 autorizou a penhora das marcas da Brinquedos Estrela por débito fiscal superior a R$ 500 milhões. São apenas dois exemplos entre muitos, demonstrando que PI sempre foi um relevante ativo econômico.

O licenciamento também não é novidade: segundo a ABRAL, apenas o mercado de marcas e personagens movimentou R$ 23,2 bilhões em 2023. Se somarmos royalties musicais e audiovisuais, além dos contratos de transferência de tecnologia, a conclusão é direta:

PI é motor financeiro.


Se a lei reconhece, se o Judiciário aplica, se o mercado movimenta, o que falta?

O primeiro ponto é valuation. Ainda faltam metodologias consolidadas. Modelos baseados em custo, mercado ou renda convivem sem padronização, gerando resultados flutuantes. A Interbrand, presente em 75 países, adota metodologia certificada pela ISO 10668, combinando:

  • análise financeira (retorno econômico),
  • papel da marca (influência sobre decisões de consumo),
  • e força da marca (fidelização e relevância).

Há outras métricas, mas a volatilidade e a flutuação das avaliações costuma afastar agentes financeiros. Quando o valor oscila demais, o mercado enjoa e fecha a carteira. Sim, o mercado é muito sensível.


O segundo nó: liquidez

Sem ambiente estruturado de compra e venda, ativos de PI sofrem com liquidez. Não há bolsa, clearing, leiloeiros especializados ou histórico de preços e prazos que permitam formar referência sólida. Resultado:

Bacen e Basileia classificam PI como ativo de difícil realização, o que limita seu uso como garantia bancária.

Eis o paradoxo: É possível penhorar PI, mas ainda não é possível aliviar risco de balanço com ela.


A CVM e o próximo passo

No evento, a CVM demonstrou abertura para escrever o capítulo financeiro da PI, desde que receba valuation sólido e exista mercado secundário racional. Isso abre caminho para:

  • debêntures lastreadas em carteiras de PI,
  • securitização de royalties,
  • notas estruturadas vinculadas a marcas fortes,
  • fundos especializados em ativos intangíveis.

O Brasil tem o 4º maior mercado de fundos do mundo. Já transformou recebíveis imobiliários e agrícolas em títulos líquidos e negociáveis. Capital não falta, então estamos próximos.


A ENPI e o alinhamento institucional

A Estratégia Nacional de PI (ENPI 2021–2030) já apontava o caminho: desenvolver critérios de valuation, criar produtos financeiros para ativos intangíveis e estimular seu uso como colateral. O seminário IP Finance 2025 é a primeira entrega visível dessa diretriz.

Se INPI, MDIC, BNDES, ABDE e CVM falarem a mesma língua, veremos nascer instrumentos capazes de destravar um mercado que já existe e que movimenta bilhões. E quando isso acontecer, o Brasil verá o óbvio ganhar forma:

Inovação é patrimônio. Patrimônio é garantia. Garantia é crédito. Crédito é desenvolvimento. Desenvolvimento é inovação. Inovação é patrimônio…

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