STF valida CIDE-Royalties em remessas ao exterior: impactos jurídicos, econômicos e na Propriedade Intelectual

Decisão do Supremo assegura recursos à ciência e tecnologia, amplia obrigações para empresas que contratam tecnologia internacional e reforça o papel do INPI na regulação de contratos de transferência.


O que decidiu o STF

Em agosto de 2025, o Supremo Tribunal Federal finalizou o julgamento do Recurso Extraordinário 928.943 (Tema 914) e, por maioria, reconheceu a constitucionalidade da CIDE-Royalties sobre remessas ao exterior, mesmo quando não há transferência formal de tecnologia.

A decisão consolidou a possibilidade de cobrança da contribuição sobre contratos que envolvam pagamento por licenças, assistência técnica, serviços especializados e até compartilhamento de custos entre empresas do mesmo grupo econômico.

Além disso, o Supremo determinou que a arrecadação dessa contribuição deve obrigatoriamente ser destinada a investimentos em ciência, tecnologia e inovação, fortalecendo sua função de instrumento de política pública.


Entenda o que é a CIDE-Royalties e como ela funciona

A CIDE – Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – é um tributo federal criado para financiar setores estratégicos da economia. No caso da CIDE‑Royalties, sua aplicação está vinculada ao fomento à inovação tecnológica, especialmente por meio da interação entre universidades, centros de pesquisa e empresas.

A CIDE‑Royalties incide sobre pagamentos efetuados por empresas brasileiras a empresas estrangeiras em decorrência de Contratos de transferência de tecnologia; Contratos de licenciamento de marcas, patentes, desenhos industriais ou software; serviços técnicos e de assistência especializada e outros contratos que envolvam know-how, mesmo que não haja transferência formal de tecnologia.

A alíquota é de 10% sobre o valor total remetido ao exterior. Isso inclui o valor do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), quando assumido pela empresa brasileira.

Essa contribuição tem previsão na Lei nº 10.168/2000, com alterações trazidas pela Lei nº 10.332/2001, e reforça o papel do Estado na indução do desenvolvimento científico e tecnológico por meio da tributação seletiva e da aplicação vinculada.


Consequências jurídicas e contratuais

1. Reestruturação contratual

Com a decisão do STF, empresas precisarão revisar contratos com parceiros internacionais, principalmente aqueles que envolvam compartilhamento de custos administrativos, fornecimento de suporte técnico ou treinamento e o licenciamento de software, patentes ou marcas ou ainda de tecnologia incorporada, retificando também toda e qualquer cláusula genérica ou omissa que possa ser interpretada como transferência de tecnologia ou de licenciamento de propriedade industrial.

2. Registro no INPI: necessidade estratégica

Embora o registro de contratos de transferência de tecnologia no INPI não seja obrigatório para validade civil, ele é essencial para:

  • Justificar legalmente a remessa de valores ao exterior;
  • Deduzir os pagamentos de royalties para fins de IRPJ;
  • Comprovar o enquadramento correto para fins fiscais e regulatórios.

A decisão do STF tende a aumentar a demanda por registro e revisão contratual junto ao INPI – Instituto Nacional da Propriedade Industrial, elevando sua importância como órgão regulador.

3. Risco de requalificação fiscal

Contratos híbridos ou mistos (serviços + licença + know-how) poderão ser requalificados pela Receita Federal. O não recolhimento da CIDE, quando devida, pode resultar em autuações, multas e exigência de valores retroativos, com base na nova jurisprudência.


Reflexos sobre a Propriedade Intelectual

A arrecadação vinculada à ciência e tecnologia pode fortalecer o ecossistema de inovação, aumentando o número de pedidos de patente e registro de software, a formalização de ativos imateriais e o incentivo à pesquisa aplicada e à transferência de tecnologia nacional.

Contudo, o uso efetivo dos recursos dependerá da eficiência da política pública e da execução orçamentária transparente.


Geopolítica da PI e capital intelectual

Em nível internacional, o domínio sobre ativos de Propriedade Intelectual deixou de ser apenas uma vantagem competitiva — passou a ser uma ferramenta geopolítica de poder direto. Temos assistido a um movimento crescente de concentração desses ativos sob controle estatal ou paraestatal, com governos intervindo ativamente em nome de “segurança nacional”. Um exemplo emblemático foi o episódio em que o então presidente Donald Trump ameaçou intervir diretamente nas patentes da Universidade de Harvard. Sim, até a PI acadêmica virou ativo estratégico a ser expropriado, se for conveniente.

Países que controlam patentes, algoritmos, dados e fórmulas não apenas lideram a inovação — ditam as regras do comércio global. Impõem restrições, definem padrões, travam mercados. E o Brasil, quando não se contenta em apenas consumir, compra caro e depende de licença. No fundo, é a velha lógica de mercado aplicada em escala mundial: quem vende ideia lucra; quem vende matéria-prima sobrevive.

Se o Brasil quiser falar sério sobre soberania e independência econômica, não bastará tributar remessas ou escrever decisões bem-intencionadas. Será preciso investir com consistência na criação de conhecimento próprio, garantir que os recursos arrecadados cheguem onde precisam chegar, e não apenas alimentem estruturas burocráticas.

Isso inclui dar ao INPI autonomia de verdade, transformar instituições de fomento em motores de inovação — e parar de tratar a PI nacional como um custo a ser cortado, e não como um ativo a ser protegido.

Ou fortalecemos nossa inteligência produtiva, ou seguiremos exportando commodities e importando royalties. Com margem negativa — e dependência crescente.


Conclusão

A decisão do STF consolida a CIDE-Royalties como um instrumento legítimo de intervenção estatal no domínio econômico, ao validar sua aplicação sobre uma ampla gama de contratos internacionais — mesmo aqueles que, até então, não envolviam transferência formal de tecnologia. A Corte, ao fazer isso, reforça a retórica de fomento à inovação, mas também amplia a carga tributária que recai sobre a cadeia produtiva.

Na prática, a decisão impõe novos deveres às empresas brasileiras, que terão de rever contratos, arcar com custos adicionais e lidar com a crescente complexidade fiscal. Porém, ao contrário do que sugere a narrativa institucional, não serão as empresas que pagarão essa conta.

Esses custos serão, inevitavelmente, repassados ao consumidor final, e com juros. E como se trata de tecnologia — muitas vezes importada, sofisticada e essencial — a fatura chegará justamente nos produtos mais caros, como eletrônicos, softwares, equipamentos médicos, máquinas industriais e bens de consumo de alta complexidade. Quanto mais dependente de tecnologia estrangeira for o produto, maior será o peso no bolso do cidadão brasileiro.

Ou seja, por trás da bandeira do “fomento à inovação”, corre-se o risco de apenas encarecer ainda mais o acesso à tecnologia no Brasil — país onde a inovação já custa caro, chega tarde e, agora, tributada.

Essa decisão pode, sim, representar um ponto de inflexão para a autonomia científica nacional, o fortalecimento da Propriedade Intelectual e a soberania tecnológica. Mas também pode ser só mais um tributo com selo de boas intenções, cujo custo real será diluído — silenciosamente — nos boletos dos consumidores.

Incentivo ou encargo? Desenvolvimento ou repasse? O tempo — e os preços — dirão.


Compartilhe