Em decisão paradigmática, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, no REsp 2.047.758/SP, relatado pelo Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, que a prática de desvio de clientela por ex-empregados só configura concorrência desleal durante a vigência do contrato de trabalho, salvo se houver cláusula contratual expressa de não concorrência. A decisão foi publicada no Informativo de Jurisprudência do STJ n° 849.
Entenda o caso
Uma empresa ajuizou ação contra ex-funcionários e uma empresa concorrente por suposto desvio de clientela e concorrência desleal. Segundo a inicial, durante o vínculo empregatício, os profissionais teriam redirecionado clientes para a concorrente, utilizando informações estratégicas da antiga empregadora.
O caso chegou ao STJ que afastou a condenação por danos morais e limitou os lucros cessantes ao período de vigência dos contratos de trabalho, considerando que a atuação no mesmo mercado após a rescisão é lícita na ausência de cláusula de não concorrência.
Ponto central: liberdade de atuação após o contrato
O voto da Terceira Turma destacou que a fidelidade e o dever de lealdade são inerentes ao contrato de trabalho (art. 482, “c”, da CLT), mas não se prolongam após sua extinção, salvo previsão contratual. O desvio de clientela durante o contrato é vedado pelo art. 195, III, da Lei da Propriedade Industrial (LPI), que também considera concorrência desleal o uso indevido de informações confidenciais (art. 195, XI da LPI). Contudo, atuar no mesmo mercado depois da rescisão é lícito.
Danos morais não são presumidos
A Corte entendeu que:
“Os danos morais não se presumem apenas pelo desvio de clientela, pois não há ofensa à honra objetiva da pessoa jurídica. Acervo fático-probatório que não evidencia ofensa à imagem da pessoa jurídica”.
Essa posição é interessante, considerando que, quando há contrafação de marca ou de trade dress (Aparência do produto, embalagem ou estabelecimento), o dano moral é presumido, não pede qualquer tipo de comprovação para que seja reconhecido. É o que se verifica, por exemplo no AgInt no AREsp 1402561 SP 2018/0306870-6, também julgado pelo STF:
“A ofensa ao trade-dress acarreta ainda a condenação da requerida ao pagamento de indenização por dano material, a ser verificado em fase de liquidação de sentença, e por dano moral, este presumido. Acórdão recorrido em consonância com julgados do STJ”.
Impacto financeiro: indenização restrita
Com a decisão, a indenização foi limitada aos lucros cessantes comprovadamente apurados durante o período de vigência do contrato de trabalho dos réus.
Contexto jurídico e tendências
A decisão consolida importante diretriz sobre os limites da concorrência desleal no âmbito das relações trabalhistas e empresariais. Em resumo:
- A concorrência é lícita após a demissão, salvo cláusula expressa em sentido contrário;
- O desvio de clientela só é ilícito se ocorre durante o vínculo empregatício;
- Danos morais empresariais nem sempre são automáticos, podem exigir provas concretas de prejuízo à imagem.
Para empresas, o caso reafirma a importância de cláusulas de não concorrência e confidencialidade bem redigidas, respeitando os limites temporais e territoriais legalmente aceitos. Para empregados, reafirma o direito à livre iniciativa e à exploração lícita do conhecimento adquirido.
Mais um desafio contratual e de gestão nas relações de trabalho, tornando-as ainda mais sofisticadas e, por consequência, mais, onerosas.