CORRIDA POR PATENTES: Pedidos de Proteção à IA Crescem no Brasil

Avanço da Inteligência Artificial impulsiona múltiplas estratégias de proteção de Propriedade Intelectual no país. Patentes, Direitos Autorais e Segredos de Negócio, alternativa ou simultaneamente têm sido aplicados em sua proteção.


Brasil registra avanço nos pedidos de proteção à inteligência artificial

O crescimento exponencial da inteligência artificial (IA) se reflete também no Brasil, com impactos diretos no sistema de Propriedade Intelectual (PI). Dados levantados pela FSB Inteligência, em parceria com a Nexus (2024), apontam que os pedidos de patentes relacionados à IA no país aumentaram 35% entre 2018 e 2023, evidenciando a consolidação de um setor emergente.

Os números confirmam que saúde, indústria e agro lideram os depósitos, seguidos por setores como tecnologia da informação, energia, telecomunicações e química. De acordo com o estudo, os principais depositantes são instituições públicas, universidades, multinacionais e grandes grupos privados nacionais, refletindo um ambiente de inovação estruturado e estratégico.

Além das patentes, empresas e criadores têm recorrido a múltiplas formas de proteção, como o registro de software — que no Brasil possui natureza autoral, conforme a Lei nº 9.609/98 — e estratégias de segredo industrial, configurando um ecossistema jurídico mais dinâmico e adaptável à natureza complexa dos algoritmos, modelos de machine learning e ferramentas generativas.

Muito se discute sobre violações de direitos autorais ou uso indevido de dados por sistemas de IA. No entanto, a proteção da própria IA como ativo imaterial ainda carece de visibilidade e aprofundamento, apesar de estar no centro da nova economia digital. A análise de seus mecanismos de salvaguarda se torna, assim, um campo essencial para juristas, desenvolvedores e formuladores de políticas públicas.

Fonte: Estudo “Saúde, indústria e agro lideram depósitos de patentes em inteligência artificial no Brasil” – FSB Inteligência / Nexus.


Patentes de IA: inovação protegida e competitividade estratégica

A patente é uma das ferramentas jurídicas mais robustas para garantir a proteção exclusiva de soluções tecnológicas baseadas em inteligência artificial, fortalecendo a competitividade e o retorno sobre investimentos em pesquisa e desenvolvimento. Nos termos da Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96), são patenteáveis as invenções que apresentem novidade, atividade inventiva e aplicação industrial, com proteção conferida por até 20 anos a partir do depósito.

Com o aumento da complexidade dos pedidos envolvendo IA, o INPI tem buscado modernizar seus fluxos internos, incorporando tecnologias de inteligência artificial no próprio exame e classificação de patentes. Além disso, programas como o Patent Prosecution Highway (PPH) têm viabilizado maior celeridade ao processo por meio de cooperação internacional com outros escritórios de patentes.

Hoje, já existem sistemas de IA participando da análise e concessão de patentes de outras soluções de IA — um cenário que, até recentemente, parecia pertencer ao campo da ficção científica. Como se lê em 20.000 Léguas Submarinas, de Júlio Verne, o impacto de certas tecnologias depende do tempo em que são percebidas: ainda que muitos de nós nunca tenhamos entrado em um submarino, sua existência já não nos causa assombro. A inteligência artificial está passando por esse mesmo processo de naturalização — e rapidamente.

Durante o 44º Congresso da ABPI, em agosto de 2024, a presidência do INPI reafirmou o compromisso institucional com a transformação digital, a interoperabilidade internacional e a digitalização dos processos, destacando esses pilares como fundamentais para enfrentar os desafios trazidos pelas tecnologias emergentes e promover um ambiente de inovação com segurança jurídica.


Direitos autorais e IA criativa: quem é o autor da obra?

O avanço das ferramentas de inteligência artificial generativa — capazes de produzir imagens, textos, músicas, vídeos e outras formas de expressão — trouxe à tona um dilema jurídico essencial: quem detém os direitos autorais sobre obras criadas com o auxílio da IA?

A Lei de Direitos Autorais brasileira (Lei nº 9.610/98) é clara ao definir, em seu artigo 11, que autor é a pessoa natural criadora da obra. Com isso, obras geradas integralmente por algoritmos autônomos, sem a intervenção humana criativa direta, não encontram respaldo jurídico pleno no ordenamento atual, o que abre margem para insegurança quanto à titularidade, à proteção e à validade de sua exploração econômica.

Mais preocupante ainda é a possibilidade de pessoas naturais reivindicarem autoria sobre obras concebidas substancialmente por sistemas de IA, o que, em certos contextos, pode configurar má-fé, falsidade ideológica ou até fraude autoral, especialmente em contratos ou contextos institucionais.

Diante desse cenário, especialistas recomendam que os usuários humanos de IA adotem uma postura ativa e transparente no processo criativo — intervindo de forma significativa no resultado final — e que celebrem instrumentos contratuais específicos, além de promoverem o registro autoral das obras resultantes, como forma de preservar a presunção de autoria e mitigar riscos jurídicos, especialmente em projetos colaborativos ou ambientes corporativos com múltiplos envolvidos.


Segredo industrial e blockchain: proteção silenciosa, mas eficaz

Nem todas as soluções baseadas em inteligência artificial são, de fato, patenteáveis — e, mesmo quando o são, muitas empresas optam por não divulgá-las, preferindo protegê-las por meio do segredo de negócio, modalidade prevista nos arts. 195 e 206 da Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96).

Essa estratégia é particularmente comum quando se trata de dados de treinamento, códigos-fonte proprietários, estruturas de redes neurais e algoritmos exclusivos. Contudo, embora funcione em casos emblemáticos como a fórmula da Coca-Cola, a proteção por segredo industrial exige alto grau de controle interno, pois está sempre sujeita a riscos como vazamentos, engenharia reversa ou apropriação indevida por concorrentes.

Como alternativa (ou complemento) ao registro formal, muitas empresas têm adotado tecnologias de blockchain e ferramentas de timestamping digital para documentar a anterioridade, integridade e autoria de ativos imateriais, sem a necessidade de divulgação pública — o que pode ser vantajoso em setores altamente competitivos.

É importante lembrar que, no Brasil, os programas de computador são protegidos por direitos autorais, conforme a Lei nº 9.609/98 (Lei do Software). Embora o registro não seja obrigatório para garantir a proteção, o depósito formal no INPI continua sendo altamente recomendado, sobretudo em casos de disputa judicial, por oferecer presunção de veracidade, data certa e maior robustez probatória.


Tendências e desafios para o futuro da PI na era da IA

O Brasil acompanha uma tendência global de transformação das normas de Propriedade Intelectual diante dos impactos da inteligência artificial. A coexistência entre patentes, direitos autorais e segredos industriais tende a se intensificar, exigindo harmonização jurídica, capacitação técnica dos operadores do Direito e políticas públicas eficazes.

Projetos de lei como o PL nº 2338/2023, que propõe diretrizes para o uso responsável da IA no Brasil, ainda estão em debate no Congresso Nacional, e especialistas defendem que a revisão da legislação autoral e a definição de critérios de autoria para criações assistidas por IA são temas urgentes.

Além disso, o incentivo à internacionalização de patentes, a atuação integrada do INPI com entidades como a OMPI e a criação de linhas de fomento específicas para inovação em IA estão entre as prioridades discutidas no setor.


Conclusão: proteger é posicionar-se no centro da nova economia da informação

A ascensão da inteligência artificial como motor de inovação no Brasil exige não apenas investimento em tecnologia, mas também estratégia jurídica clara e bem fundamentada. O crescimento dos pedidos de patentes, o aumento do uso de registros de software e direitos autorais, e a adoção de segredos industriais aliados a tecnologias como blockchain mostram que a proteção da IA se tornou um tema central no ecossistema de Propriedade Intelectual.

Mais do que escolher um único caminho, as empresas e criadores estão adotando abordagens combinadas, capazes de proteger diferentes aspectos de suas soluções — da arquitetura dos algoritmos à expressão criativa dos resultados, passando por dados, códigos e modelos de uso. Essa diversificação é não só necessária, mas estratégica, diante de um ambiente regulatório em constante transformação.

No atual estágio, o desafio não está apenas em proteger a inovação, mas em fazê-lo com segurança jurídica, responsabilidade ética e visão internacional. O Brasil, ao integrar modernização institucional, revisão legislativa e participação ativa em fóruns globais, tem a oportunidade de se posicionar como protagonista na proteção e desenvolvimento da inteligência artificial.

Proteger a IA, portanto, não é apenas uma medida defensiva, mas uma escolha de protagonismo econômico, tecnológico e jurídico. Em um mundo onde o conhecimento é ativo central, a propriedade intelectual passa a ser o instrumento que separa a invenção da oportunidade de mercado.


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