Empresas que utilizam o nome de concorrentes como hiperlink para atrair clientes nas buscas online cometem concorrência desleal e devem indenizar. Decisão afasta responsabilidade do Google e restringe aplicação do Marco Civil da Internet.
Uso indevido de nome empresarial em anúncios é concorrência desleal, decide STJ
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou que o uso do nome empresarial de concorrente como palavra-chave em anúncios patrocinados (Google Ads) configura concorrência desleal, conforme o artigo 195, inciso III, da Lei da Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/1996).
No julgamento do REsp nº 2.032.932/SP, relatado pelo ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, a Corte deixou claro que, embora a prática seja ilícita e gere obrigação de indenizar, o Google não é responsável civilmente, afastando-se a aplicação do artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014).
Decisão traz definição clara sobre concorrência desleal
Segundo a decisão, a proteção conferida a nomes empresariais e marcas visa não apenas resguardar o consumidor contra enganos quanto à origem de produtos e serviços, mas também preservar o investimento do titular, impedindo usurpação, aproveitamento parasitário e desvio de clientela.
o STJ destacou que o consumidor, ao digitar um nome empresarial específico, demonstra preferência que é fruto do investimento do titular — capturar essa audiência de forma artificial configura aproveitamento do prestígio alheio (parasitismo).
Google fora do alcance do Marco Civil
O Tribunal rejeitou a tese de que o caso estaria sujeito ao art. 19 do Marco Civil da Internet. Para os ministros, não se trata de conteúdo gerado por terceiros, mas de contratação de anúncios vinculados a hiperlinks:
“A hipótese dos autos não trata da responsabilização do provedor de aplicações por conteúdo de terceiros, mas do desfazimento de hyperlink decorrente da contratação da ferramenta Google Ads em razão da ocorrência de concorrência desleal.”
Assim, o provedor não tem dever amplo de monitoramento prévio ou contínuo, devendo apenas cumprir ordens judiciais específicas quando determinado.
Danos presumidos e obrigação de não fazer
A decisão fixou que, nos casos de concorrência desleal com desvio de clientela, os danos materiais são presumidos e serão apurados na fase de liquidação de sentença. Também foi determinada tutela inibitória (obrigação de não fazer) para impedir a repetição da conduta ilícita.
Impacto e tendências
O julgamento reforça a proteção da identidade empresarial no ambiente digital e define critérios objetivos para separar a concorrência legítima da prática desleal em campanhas de marketing online.
Para as empresas, o recado é direto: utilizar o nome ou a marca de um concorrente como palavra-chave paga pode resultar não apenas em indenizações por danos, mas também em responsabilização criminal, já que a concorrência desleal é crime.
Para as plataformas, a decisão delimita o alcance do Marco Civil da Internet, restringindo sua responsabilidade e afastando a imposição de monitoramento genérico e preventivo sobre os anúncios.
Ementa: conceito de concorrência desleal
RECURSO ESPECIAL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. NOME EMPRESARIAL. USO INDEVIDO. PALAVRA-CHAVE. FERRAMENTA DE BUSCA. CLIENTELA. DESVIO. CONCORRÊNCIA DESLEAL. CARACTERIZAÇÃO. TUTELA INIBITÓRIA. NECESSIDADE. MARCO CIVIL DA INTERNET. NÃO INCIDÊNCIA. SÚMULA Nº 284/STF.
1. A controvérsia posta está em verificar se: (i) a utilização da ferramenta Google AdWords a partir da inserção como palavra-chave de nome empresarial implica uso indevido e prática de concorrência desleal; (ii) na hipótese, incide o artigo 19 do Marco Civil da Internet e, em caso afirmativo, se estão presentes os requisitos de responsabilização ali previstos e (iii) estão presentes os requisitos para condenação no pagamento de lucros cessantes.
2. A proteção emprestada aos nomes empresarias, assim como às marcas, tem como objetivo proteger o consumidor, evitando que incorra em erro quanto à origem do produto ou serviço ofertado, e preservar o investimento do titular, coibindo a usurpação, o proveito econômico parasitário e o desvio de clientela. Precedentes.
3. A distinção entre concorrência leal e desleal está na forma como a conquista de clientes é feita. Se a concorrência se dá a partir de atos de eficiência próprios ou de ineficiência alheias, esse ato tende a ser leal. Por outro lado, se a concorrência é estabelecida a partir de atos injustos, em muito se aproximando da lógica do abuso de direito, fala-se em concorrência desleal.
4. O consumidor, ao utilizar como palavra-chave um nome empresarial ou marca, indica que tem preferência por ela ou, ao menos, tem essa referência na memória, o que decorre dos investimentos feitos pelo titular na qualidade do produto e/ou serviço e na divulgação e fixação do nome.
5. A contratação de links patrocinados, em regra, caracteriza concorrência desleal quando: (i) a ferramenta Google Ads é utilizada para a compra de palavra-chave correspondente à marca registrada ou a nome empresarial; (ii) o titular da marca ou do nome e o adquirente da palavra-chave atuam no mesmo ramo de negócio (concorrentes), oferecendo serviços e produtos tidos por semelhantes, e (iii) o uso da palavra-chave é suscetível de violar as funções identificadora e de investimento da marca e do nome empresarial adquiridos como palavra-chave.
6. Na hipótese, não incide o artigo 19 da Lei nº 12.965/2014, pois não se trata da responsabilização do provedor de aplicações por conteúdo de terceiros, mas do desfazimento de hyperlink decorrente da contratação da ferramenta Google Ads, o que atrai a censura da Súmula nº 284/STF.
7. No caso de concorrência desleal, tendo em vista o desvio de clientela, os danos materiais se presumem, podendo ser apurados em liquidação de sentença. Precedentes.
8. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido.
(STJ – REsp: 2032932 SP 2022/0325561-9, Relator.: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Julgamento: 08/08/2023, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/08/2023)